E ela, enternecida,
Soltou o cabelo,
Iluminou e confrontou o espelho,
Desempoeirou e abraçou velhos pesadelos,
Saudou a vida!
E foi sozinha até a cozinha
Onde, entre temperos e compotagens,
Preparou, gota a gota, em seu caldeirão, a beberagem.
Sem pressa, sem precipitação, meticulosamente,
Como devem ser os preparativos de uma viagem.
E ela, embevecida,
Se permitiu não escovar os dentes,
Não trilhar por sua cabeça, o pente,
Olhar, sem susto, para o mundo sem as suas lentes,
Perdeu o medo da vida!
E mesclando suas receitas, suas poções,
Nos seus tachos esverdeados de cobre,
Preparou pro mal da vida, a cura:
Curare, estricnina, cianeto, cafeína,
Anis para adoçar a mistura.
E ela, distraída,
Deixou o lodo proliferar no banheiro,
Não lembrou de, antes de dormir, contar o dinheiro,
Não verificou as trancas, o gás e a voltagem do chuveiro,
Esqueceu da vida!
Sorveu a tudo não como veneno
E sim como a um sorvete.
A todo conteúdo não com repulsa e sim deleite
Como o copo fosse túrgido seio de materno leite.
E ela, entorpecida,
Nem verificou o despertador que a espeta,
Que a desperta para a dor.
Acenou sem lenço e sem testamento a todo o seu legado:
Sua pouca arte, a sua janela sem arvoredos
Seus medos, seu catre, seu calabouço de quebrado piso.
Num esboço de sorriso,
Deu adeus à vida!
Seu passsamento:
Nem um esgar, nem um estertor
Nenhuma estória lamuriosa em carta posterior.
Em seus olhos, apagados em vida, agora em firmamento,
Só constelações; não remorsos ou arrependimentos.
Sua morte:
Tal e qual a quem
Toma um porre de cuba libre.
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