Com Que Rosto Que Eu Vou ?

Dois procedimentos legais, quero ainda tomar.
Um é providenciar meu desbatizado, outro - nem sei se é possível ou previsto em lei - é lavrar um documento em cartório impedindo que meus familiares realizem meu velório. Não quero ser velado. Uma vez dado como morto, quero também que me eviscerem, aproveitem para doação ou ração de cachorro os órgãos que ainda se prestarem a uma coisa ou outra, pois eviscerado não haverá chance de um erro médico me fazer acordar sepulto.
Não quero velório. Não quero ficar exposto ao público. Não sem ter controle.
Eu-defunto seria o ponto de convergência do evento meu velório, mas não controlaria nada, seria o centro das atenções e não seria nada.
Seria só meu rosto e meu rosto, per si, não é nada. Meu rosto é somente a base para todas as máscaras que desenhei, para cada tipo de situação, cada tipo de pessoa, me apresento com uma máscara.
Tenho máscaras temíveis e horrendas... bem como máscaras belíssimas e suaves.
Eu, morto, só ostentarei meu rosto, tela em branco onde cada passante de meu funeral projetará em mim a ideia que tinha a meu respeito.
Dirão, uns e outros, que até fui uma pessoa boa, justa... Nunca fui bonzinho, sempre quis que meu inimigo (e por inimigo, entenda: quem não pensa igual a mim) se fodesse.
Não quero velório, não gosto do cheiro da vela queimando, não quero cravos e crisântemos me cobrindo, enfiados nos meu cu, não quero uma imagem de cristo atrás do meu caixão, quero que cristo se foda (aliás, ele já se fodeu).
Ninguém tem o direito de me ver uma imagem alheia à que eu tenho de mim.
Ninguém tem o direito de olhar para mim e não se arriscar a receber meu olhar de volta, no funeral, o morto é julgado sem poder julgar.
A morte é triste, sobretudo a minha.
A morte é - talvez - o evento mais triste na cultura ocidental.
Pudera,
a morte não é o fim da vida, é o fim da mentira, sustentáculo da civilização.
Pudera,
A morte é o fim de todas as máscaras.
E nada é mais triste que isso.

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