O Intervalo

Essa crônica de Mário Prata (se nunca o leram, façam. Urgente!!!), aparentemente, não tem muito a ver com o teor do blog, marretar. Decidi postá-la porque gosto muito dela, e pronto.
Mas, depois, notei que ela tem, sim, coerência com meu blog.
Ela é uma bela duma marretada na ilusão da eterna juventude vendida, cada vez mais, pela mídia. Uma porrada delicadíssima nessa nova geração de velhos que não quer envelhecer, quando deveriam aprender a envelhecer. Uma traulitada nesses idosos que perdem (ou nunca tiveram) o senso do ridículo e passam a agir e trajar-se como seus netos. Uma nova e lamentável subespécie do Homo (dito) Sapiens: os velhos babões e as velhas biscatonas.
Leiam e aprendam com Mário Prata.

O INTERVALO
Depois de uma certa idade, começamos a perceber que, entre uma ação e outra, precisamos de um intervalo maior. Mais ou menos como se fosse um jogo de futebol entre velhinhos. Seriam dois tempo de 15 minutos, com um intervalo de 45. O intervalo é fundamental na nossa vida. E em todos os momentos.

No sexo, por exemplo. Essa garotada (e já fomos assim) praticam três, quatro ações quase que sem intervalo. Com o tempo, eles vão percebendo que as ações vão diminuindo e os intervalos aumentando. Até um dia, coitados de nós, que vamos ficar só no intervalo. Mas ainda não é o caso.

Comecei a pensar nisso outro dia ao ouvir de um escritor mais ou menos da minha idade (não foi o Fernando, Marina) a teoria do intervalo. Antes, porém, tenho que avisar que ele fez tais considerações diante da possibilidade de sucumbir aos galanteios de uma garota bem mais jovem. E muito mais curta, cerebralmente. Quase beirava à debilidade mental, dentro daquele corpo escultural. Mas ele foi categórico.

- Tou fora. Numa hora dessas eu penso é no intervalo. Já pensou?, o intervalo vai ser longo. E sabe-se lá o que essa menina vai falar ou querer nesse momento de meditação e relaxamento. Uma mulher dessas é para ações sem intervalos. Mas aí vão nos chamar de galinha. As mulheres querem a ação e o intervalo. E eu não consigo mais ter intervalos curtos. Entendeu? Tou fora.

E em tudo na minha vida o intervalo vai ficando maior.

O intervalo entre uma garfada e outra. É maior. Entre um gole e outro. Entre ir ver uma peça de teatro e voltar para outra. O intervalo entre uma respirada e outra, é maior.

O intervalo entre uma paixão e outra, meu Deus. A gente quer esticar ao máximo a ação, a paixão, pois sabe que vai cair num abismo demorado. Até voltar à tona, pode ser fatal.

Via-se os filhos todos os dias, todas as horas. Agora o intervalo é cada vez maior. E me parece que vai continuar a crescer. Antes ligavam e diziam:

vamos nos ver hoje? Agora, essa semana. E é normal. Quando meu pai me liga reclamando da saudade, digo: mês que vem, eu vou aí.

Em tudo, para quem já passou dos 50, o intervalo entre duas ações é cada vez maior. Menos na nossa vida digital. O computador, eu quero dizer.

Não nos dão trégua. Quando você consegue um Pentium I, não se usa mais nem o Pentium III. Apesar de eu ter um amigo que ainda está no 486 e nega-se a sair do intervalo. Cansa, diz ele. Quando você aprende uma artimanha nova, ela já está velha. E sempre tem um babaquinha de um amigo a comentar: nossa, você ainda não tem uma quickweb? Você ainda manda e-mail por escrito?

Pronto, você tem que deixar o intervalo digital de lado e partir para novas ações.

Só o tempo é implacável com o nosso ócio. Por exemplo: você já notou que 1980 foi há 21 anos? Doido isso, né? E Woodstock já vai para 40 e tem neguinho que se refere a ele como se tivesse acontecido no ano passado. Ali mesmo, na esquina.

Isso tudo porque na verdade eu queria escrever uma crônica sobre o futebol brasileiro. Mas já escrevi outro dia e sei que o intervalo ainda está pequeno.

Queria dizer umas coisas assim:

- no Torneio Rio-São Paulo, um time com 12 pontos pode ficar de fora e outro com 1 pode se classificar.

- o problema de ninguém saber como vai ser o campeonato brasileiro de futebol deste ano, é normal. O anormal é que desta vez ninguém sabe quem é que vai organizar.

- e o Paulista, onde 0 a 0 não marca ponto? Basta, no finalzinho, cada time deixar o outro fazer um gol. Um a um, marca.

E depois vem um deputado perguntar ao Ronaldinho por que o Brasil perdeu a Copa.

É o caso de se perguntar ao nobre deputado: por que o Brasil é o único país do mundo onde os crimes são investigados pelo Legislativo e não pelo Judiciário? Juiz não gosta de pizza? Nem nos intervalos das novelas brasileiras?

E, como você está reparando, o intervalo entre uma boa crônica e outra, nem sempre é de uma semana.

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1 Comentários

  1. Já em casa, depois do jogo, umas e outras Tijucas, resolvi revolver seu arquivo. Texto interessantíssimo.
    "J"

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