A Inveja Que Eu Tenho dos Fungos e Bactérias

Há um consenso burro, de uns tempos para cá, de que todo conhecimento passado nas escolas deve ser atrelado ao cotidiano do aluno, de que a escola deve falar a “linguagem” do aluno.Paulo Freire, por quem não nutro menor apreço ou admiração, antes pelo contrário, considero-o mais um embuste pedagógico, escreve em seu Medo e ousadia. Rio de janeiro, Paz e Terra, 1987 :“O conhecimento lhes é dado como um cadáver de informação- um corpo morto de conhecimento- e não uma conexão viva com a realidade deles. Hora após hora, ano após ano, conhecimento não passa de uma tarefa imposta aos estudantes pela voz monótona de um programa oficial.”Sim.
Mas isso não é ruim.Cabe aos que recebem esses "cádaveres" ser assemelhados aos decompositores, fungos e bactérias.
Esses seres tomam e degradam a matéria morta em seus componentes básicos e inorgânicos, que serão utilizados como "tijolos" de novas vidas, plantas, animais e outros fungos e bactérias.
Fungos e  bactérias não reclamam, trabalham.
Não esperam cestas básicas ou liminares de promotores para que sejam "incluídos" em um ambiente ao qual não se ajustam e só desequilibram. Bactérias e fungos desconstroem o que não lhes serve e criam o que lhes é adequado.
Com o conhecimento tem que ocorrer o mesmo. Temos que conhecer o tradicional para podermos construir o inovador, conhecer os clássicos para escrever o moderno.
O conhecimento acadêmico passado nas escolas NUNCA esteve diretamente conectado à sua época, sempre foi uma velha fotografia, sempre foi luz de estrela distante.
É dever de quem o recebe, decompô-lo e transformá-lo em novo conhecimento, passá-lo à frente para que outros o decomponham, ad infinitum. 
Bactérias e fungos, considerados organismos inferiores, não reclamam da vida, se viram, dão um jeito.
Reclamar e querer tudo de mão beijada é coisa de organismos "superiores", não querer realizar trabalho e esforço, idem.
Ainda mais se amparados por estatutos de tolerância e bons samaritanos em geral, sociólogos, psicólogos e outros "ólogos" da vida.
O conhecimento não tem que estar obrigatoriamente ligado à realidade, ao cotidiano; isso não é conhecimento, é senso comum.
E não foi o senso comum que projetou vossas casas, os remédios a que recorrem numa doença, vossos carros, vossos insuportáveis e inseparáveis celulares, tampouco esse computador através do qual me comunico.
Por que vocês que tanto defendem o conhecimento anexado ao cotidiano não levam seus filhos a uma benzedeira ao invés de um médico?
Para que o educando mude a realidade que o cerca, ele precisa de elementos alheios a ela e não mais e mais do mesmo.
"Falar a linguagem do aluno", morro de nojo quando escuto isso.
É dever da escola apresentar-lhe novas linguagens.
Bombardear o aluno, na escola, com seu cotidiano é condená-lo para sempre a esse mesmo cotidiano.
Mostrar-lhe outras esferas é dar-lhe uma chance.
Repisar o cotidiano do aluno é colocar a realidade dele – ruim, muitas vezes – como a única possível e alcançável; desejável, até.É domesticá-lo para que continue servindo aos propósitos do Estado.É manter o status quo, os estratos.Se essa é a vossa intenção, “educadores” e pedagogos teóricos, estão de parabéns.Parabéns também aos que, na prática, ainda que a vejam tão diversa, abraçam tais elocubrações de gabinete feito vacas de presépio.
São, todos vocês, técnicos de manutenção desse Novo, porém nada Admirável Mundo.
Por isso, morro de inveja dos fungos e das bactérias.

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