Uma Tentativa de Reaproximação de Calíope?

Até os meus quarenta, quarenta e poucos anos, fui um leitor contumaz, lá pelos cinquenta, ainda mantinha uma certa assiduidade, hoje, com cinquenta e oito, perdi o hábito de leitura.
Pior : não perdi o hábito, perdi minha capacidade de leitura, meu poder de concentração. Quando muito, hoje leio crônicas e pequenos contos, não tenho fôlego para nada além disso.
 
Há uns anos que rompi meu longo namoro com Calíope, a musa da literatura. E em nossos últimos encontros, fui um fracasso. Os últimos três ou quatro livros mais longos que inicei, abandonei pela metade, ou até antes. Em nossos últimos encontros, fui um fiasco, broxei geral com Calíope.
 
Eu não possuo CNH, não sou habilitado a conduzir veículos automotores, faço tudo a pé, ida e volta ao trabalho, ao mercado, à casa de algum amigo. Flano por ruas e mais ruas. Ruas sujas. Moro numa cidade suja, de um povo escroto, mal-educado, que faz das calçadas e das vias públicas os seus chiqueiros particulares.
 
Tudo aqui se joga na rua. Baldes rachados, cadernos, cabos de vassoura, estrados de cama, caixas de papelão, entulho de reformas, latas de cerveja, garrafas PET, embalagens longa vida, tênis e sandálias velhos, vasos sanitários quebrados, placas de computadores etc etc.
 
E mesmo o lixo que a parcela minimamente civilizada da população acondiciona em sacos plásticos adequados e deposita nas lixeiras sofre a ação dos catadores de lixo, os cachorros vira-latas destes tristes tempos, que rasgam e arregaçam os sacos e vão jogando ao chão tudo o que não lhes interessa, embosteiam tudo.
 
Hoje, no entanto, amaldiçoei um pouco menos a falta de educação deste povo amaldiçoado. Numa esquina, rente à base de um poste da iluminação pública, encontrei a raridade abaixo. Oliver Twist, Charles Dickens. Publicado pelo Clube do Livro, na cidade de São Paulo, em 1954.
 
Suas páginas, é claro, nem amarelas mais estão, estão marrom claras, as beiradas das páginas estão um tanto carcomidas  e com marcas de mofo e umidade, mas não falta nenhuma, nenhuma se perdeu ou foi arrancada.
 

Oliver Twist é um clássico da literatura inglesa, universal, até. Nunca li nada de Dickens. Só conheço o enredo do Um Conto de Natal, e ainda através das adaptações Um Conto de Natal do Mickey, de um episódio dos Simpsons e da HQ do Batman, O Longo Dia das Bruxas.
 
Não acredito em coincidências, nem no Acaso e no Aleatório. Não há nada aleatório, apenas ocorrências cujos padrões não conseguimos identificar. Será que encontrar o livro é a chance que Calíope está me ofertando de reatarmos, de voltarmos a ter uma relação séria, uma espécie de anel de noivado?
Será que ela quer voltar a ver no meu rosto o gozo e o êxtase de quando éramos inseparáveis?
Vou tentar, sério que vou tentar.
 
Amanhã, é sabadão. Vou acordar pela manhã, tratar dos bichos (que macho das antigas é dono de bicho e não pai de pet), regar as plantas, ir ao mercado e, na volta, sentarei-me à sacada com um belo canecão de cerveja e começarei a usufruir a oferenda de Calíope.
Vamos ver. 

Postar um comentário

1 Comentários