Os Meus 4 "C"s

Se pareado aos meus pares de espécie, o tal do ser humano, mais ainda se ao cidadão dito comum, o cara trabalhador, assalariado, classe média, fodido, sou percebido e tido por eles, com toda a certeza, com um defensor convicto e ferrenho do anticonsumismo. Do anticapitalismo, até.

Pois em franca sinceridade, digo-vos que nem de um e muito menos do outro.
Para que esse veredito popular, leviano e pra lá de equivocado sobre meus hábitos de consumidor, pudesse, ao menos, tangenciar a verdade, eu teria de ser um sujeito aferrado a ideologias, a posições politico-partidárias, a engajamento, miltância e ambientalismos, a discursos panfletários e outras patifarias.
Características e comportamentos dos quais sempre fiz os mais absolutos esforços e questão de passar ao largo, beeeem ao largo. E se a rente, em alguma ocasião, deles passei, foi de forma totalmente inadvertida, sem me dar conta, talvez por algum arroubo de juventude.

Não obstante não me admitir anticonsumista ou anticapitalista, a verdade é que, se a grande maioria consumisse nos meus termos, o capitalismo teria que, no mínimo, repensar-se, reinventar-se.
Compro, de fato, como dizem de mim as más línguas, mas não pelos motivos que elas alegam, muito pouco. Se tenho duas calças jeans, por exemplo, só compro outra se uma se tornar inutilizável; o mesmo valendo para tênis e sapatos.

Não tenho - nem quero ou nunca quis - armários e gavetas repletas de calças, camisas, camisetas, ternos (nem tenho terno), gravatas (também não), calçados, relógios (idem aos ternos e gravatas), perfumes (ibidem) etc.

E faço questão de reiterar que toda essa austeridade não é por protesto e oposição ao um sistema patriarcal, branco e heterossexual, que explora o proletariado, ou por filosofia e regramento de vida, ou por exercício de autocontrole ou qualquer outra bobagem de merda.
Compro pouco porque não sinto necessidade de comprar. Não me dá prazer. Fazer compras não faz ejacularem minhas dopaminas e serotoninas. Não tenho tesão em comprar. Não sinto a tentação de consumir. Se sentisse, talvez tive que empreender alguma diligência no sentido de me conter. Mas não sinto.

Nunca desejei possuir carrões, mansões, roupas de grife, frequentar restaurantes estrelados, hotéis e resorts cinematográficos. Sempre demonstrei um apetite dos mais frugais por bens materiais, beirando a inapetência.
Sou péssimo, por exemplo, em presentear. Primeiro, porque eu mesmo não faço importância em recebê-los; depois, porque não gostando de comprar para mim, não sei o que comprar para os outros.

Nos últimos tempos, porém (estou mesmo ficando velho, só pode ser isso), tenho comprado alguns itens em quantidade maior do que me têm serventia. Bobaginhas de pouco valor; ainda assim, as tenho acumulado - acumulado, que fique bem claro, para meus monásticos padrões.

São os meus 4 "C", como eu os batizei e os chamo : cadernos, canetas, canecas e cerveja. Se bem que esta última, eu não acumulo, consumo de imediato, mas poderia estar menos a beber.

Canetas (todas esferográficas, nada de Mont Blanc, Parker etc), devo ter para mais de umas trinta ou quarenta. Azuis, vermelhas, verdes, pretas, roxas. Sendo que, há uns meses, não resisti a uma boa oferta e comprei um conjunto delas com dez diferentes cores, tem até Bic marrom e alaranjada.

Cadernos de espirais ou brochuras e agendas promocionais, estou com oito zero km deles em minha gaveta. E no ritmo barrichélico em que venho escrevendo, jamais preencherei suas brancas e retas pautas, jamais esvaziarei as minha supracitadas canetas neles.

Canecas, as possuo de duas categorias : para cerveja e para café. São canecas de café, mesmo, dessas de 300, 350 ml, e não xícaras. 
Para cerveja, possuo 16 delas, variando-lhes as capacidades volumétricas - 300, 350, 500 ml, e mesmo um litro - e os materiais com que foram confeccionadas - vidro ou cerâmica.
Para café, eu estava com sete canecas até há pouco tempo. Estas, todas de cerâmica, variando-lhes as cores, formatos e estampas. Recentemente, porém, acrescentei mais duas ao meu acervo, compradas a uma loja de bugigangas para turistas, de "lembrancinhas", em Monte Verde (MG), onde estivemos por ocasião do feriado prolongado de junho próximo passado.
Achei-as das mais originais e criativas. Nostálgicas, reproduzem desenhos de marcas tradicionais, que nos acompanham desde nossas infâncias, desde as casas de nossos avós.
Não consegui me decidir por qual das duas comprar. Dezesseis reais a unidade. Fui perdulário e inconsequente : comprei as duas.


Em tempos idos, em épocas mais espartanas e macho das antigas de minha vida, a condição sine qua non para eu comprar uma caneca nova, fosse ela de café ou cerveja, era que a antiga fosse quebrada. Mas como disse, estou ficando velho e mole.

Portanto - e por fim -, se antigamente alguém me perguntasse o que eu gostaria de presente, eu diria que nada, que não precisavam se incomodar, ou que qualquer coisa estaria bom; hoje, digo-lhes meus 4 "C"s : cadernos, canetas, canecas e cerveja.

Bem... há um outro bem de consumo iniciado por "C", e que também é muito apreciado e estimado por mim; também uma coisa simples, à toa, pequena, até monossilábica, eu diria. Um bem de consumo que, há tanto tempo sem dele, hoje em dia é muito mais um sonho de consumo.
Mas é artigo que, em regime fechado (sem direito a "saidinhas") de um já longo matrimônio em que estou, há tempos deixou de me pertencer.

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