O
 texto a seguir, escrito por Olavo de Carvalho para o jornal A Folha da 
Tarde, pode ser considerado antigo, uma vez que datado de 1998, ainda 
mais em tempos de velocidades estonteantes, internéticas - ninguém sabe 
para onde está indo, mas, parece-me que é o que lhes importa, estão 
indo a grande velocidade. Não obstante, o texto é, cada vez mais, de uma
 cruel e irreversível contemporaneidade.
Só
 discordarão do que eu falo - e mais, do que Olavo de Carvalho escreve -
 aqueles que tiveram a sorte de ter que conviver com a juventude apenas 
durante a duração de sua própria, apenas aqueles que foram jovens, sobreviveram
 a isto, adulteceram, envelheceram, e o único cheiro de juventude que 
tiveram que respirar depois disso foi o dos próprios filhos.
Com
 vocês, Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro, mas não o julguem por 
isso; afinal, ninguém escolhe ou controla os admiradores que tem. 
Os grifos em vermelho são por minha conta.
Os grifos em vermelho são por minha conta.
O imbecil juvenil 
"Já
 acreditei em muitas mentiras, mas há uma à qual sempre fui imune: 
aquela que celebra a juventude como uma época de rebeldia, de 
independência, de amor à liberdade. Não dei crédito a essa patacoada nem
 mesmo quando, jovem eu próprio, ela me lisonjeava. Bem ao contrário, 
desde cedo me impressionaram muito fundo, na conduta de meus 
companheiros de geração, o espírito de rebanho, o temor do isolamento, a
 subserviência à voz corrente, a ânsia de sentirem-se iguais e aceitos 
pela maioria cínica e autoritária, a disposição de tudo ceder, de tudo 
prostituir em troca de uma vaguinha de neófito no grupo dos sujeitos 
bacanas. O jovem , é verdade, rebela-se muitas vezes contra pais e professores, mas é porque sabe que no fundo estão do seu lado e jamais revidarão suas agressões com força total. A luta contra os pais é um teatrinho, um jogo de cartas marcadas no qual um dos contendores luta para vencer e o outro para ajudá-lo a vencer.
Muito
 diferente é a situação do jovem ante os da sua geração, que não têm 
para com ele as complacências do paternalismo. Longe de protegê-lo, essa
 massa barulhenta e cínica recebe o novato com desprezo e hostilidade 
que lhe mostram , desde logo, a necessidade de obedecer para não 
sucumbir. É dos companheiros de geração que ele obtém a primeira 
experiência de um confronto com o poder, sem a mediação daquela 
diferença de idade que dá direito a descontos e atenuações. É o reino 
dos mais fortes, dos mais descarados, que se afirma com toda a sua 
crueza sobre a fragilidade do recém-chegado, impondo-lhe provações e 
exigências antes de aceitá-lo com o membro da horda. A quantos ritos, a 
quantos protocolos, a quantas humilhações não se submete o postulante, 
para escapar à perspectiva aterrorizante da rejeição, do isolamento? 
Para não ser devolvido, impotente e humilhado, aos braços da mãe, ele 
tem de ser aprovado num exame que lhe exige menos coragem do que 
flexibilidade, capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria — a 
supressão, em suma, da personalidade. É verdade que ele se submete a 
isso com prazer, com ânsia de apaixonado que tudo fará em troca de um 
sorriso condescendente. A massa de companheiros de geração representa, 
afinal, o mundo, o mundo grande no qual o adolescente, emergindo do 
pequeno mundo doméstico, pede ingresso. E o ingresso custa caro. O 
candidato deve, desde logo, aprender todo um vocabulário de palavras, de
 gestos, de olhares, todo um código de senhas e símbolos: a mínima falha
 expõe ao ridículo, e a regra do jogo é em geral implícita, devendo ser 
adivinhada antes de conhecida, macaqueada antes de adivinhada. O modo de
 aprendizado é sempre a imitação — literal, servil e sem 
questionamentos. O ingresso no mundo juvenil dispara a toda velocidade o
 motor de todos os desvarios humanos: o desejo mimético de que fala René
 Girard, onde o objeto não atrai por suas qualidades intrínsecas, mas 
por ser simultaneamente desejado por um outro, que Girard denomina o 
mediador. 
Não
 é de espantar que o rito de ingresso no grupo, custando tão alto 
investimento psicológico, termine por levar o jovem à completa 
exasperação, impedindo-o, simultaneamente, de despejar seu ressentimento
 de volta sobre o grupo mesmo, objeto de amor que se sonega e por isto 
tem o dom de transfigurar cada impulso de rancor em novo investimento 
amoroso. Para onde, então, se voltará o rancor, senão para a direção 
menos perigosa? A família surge com o o bode expiatório providencial de 
todos os fracassos do jovem no seu rito de passagem . Se ele não logra 
ser aceito no grupo, a última coisa que lhe há de ocorrer será atribuir a
 culpa de sua situação à fatuidade e ao cinismo dos que o rejeitam . 
Numa cruel inversão, a culpa de suas humilhações não será atribuída 
àqueles que se recusam a aceitá-lo com o homem , mas àqueles que o 
aceitam com o criança. A família, que tudo lhe deu, pagará pelas 
maldades da horda que tudo lhe exige. 
Eis a que se resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte que o despreza, desprezo pelo mais fraco que o ama. 
Todas
 as mutações se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o não-
 ser: o jovem , em trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é,
 por fatalidade, inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das
 culpas de quanto se passa dentro e em torno dele. Seus julgamentos são 
quase sempre a inversão completa da realidade. Eis o motivo pelo qual a 
juventude, desde que a covardia dos adultos lhe deu autoridade para 
mandar e desmandar, esteve sempre na vanguarda de todos os erros e 
perversidades do século: nazismo, fascismo, comunismo, seitas 
pseudorreligiosas, consumo de drogas. São sempre os jovens que estão um 
passo à frente na direção do pior. 
Um mundo que confia seu futuro ao discernimento dos jovens é um mundo velho e cansado, que já não tem futuro algum." 

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