Todo Castigo Pra Biscate é Pouco (3)

Ei-lo de novo. Lupicínio Rodrigues, o maior anti-corno do Brasil. 
O anti-corno é o sujeito que, feito o corno tradicional, leva chifres, assume a galha e esfola à carne viva os cotovelos no balcão sujo e rançoso de um bar. Mas que, diferente do primeiro, não perdoa a biscate. Não a acolhe de volta, não lhe dá abrigo nem guarida, quando ela, na maior cara de pau, cansada de guerra, toda estropiada, bate de novo à porta do lar que desonrou.
Ou, como no caso da canção "Cadeira Vazia", até concede asilo, pousada e repasto à pérfida, mas não por frangalhos de uma esperança de que ela possa se emendar (a esperança do corno é a última que morre; a do anti-corno nem nidifica). Seria, então, por dó, por compaixão, por memória dos bons tempos que tiveram juntos, ou, deus me livre, por caritoso espírito cristão?
Não. Para torturar a biscate lentamente. Para lhe impor humilhação. Para vingar o chifre na testa. 
Na letra, Lupicínio, a vestir a pele do bom samaritano, diz : "Eu não te darei carinho nem afeto/Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto/Pra te alimentar, podes comer meu pão".
Bonzinho, o Lupicínio? Um corno clássico? Nada disso. Ele manterá a biscate sob seus cuidados, lhe dará um teto, lhe alimentará, mas apenas para que a biscate saiba que ele está a observar a ruína dela, a sua degradação, a sua vergonha; para vê-la definhar em culpa e agonizar em remordimento. Dará-lhe casa, comida e roupa lavada, mas negará, à biscate, carinho e afeto, ou seja, a privará do que lhe é mais caro e necessário : a rola, o famoso cacete. 
Biscate não liga de passar fome, de não tomar banho, de viver na rua, mas tem crise de pânico e de abstinência se lhe falta a rola. Lupicínio sabia disso. Lupicínio é pura tortura chinesa para com a biscataiada.
Cadeira Vazia
(Lupicínio Rodrigues)
Entra, meu amor, fica à vontade
E diz com sinceridade 
O que desejas de mim.
Entra, pode entrar, a casa é tua
Já que cansastes de viver na rua
E teus sonhos chegaram ao fim.

Eu sofri demais quando partistes
Passei tantas horas tristes
Que nem quero lembrar este dia
Mas de uma coisa podes ter certeza
Que em teu lugar aqui na minha mesa
Tua cadeira ainda está vazia.

Tu és a filha pródiga que volta
Procurando em minha porta
O que o mundo não te deu
E faz de conta que eu sou teu paizinho
Que tanto tempo aqui ficou sozinho
A esperar por um carinho teu.

Voltastes, estás bem, estou contente
Só me encontrastes muito diferente
Vou te falar de todo coração
Não te darei carinho nem afeto
Mas pra te abrigar pode ocupar meu teto
Pra te alimentar, pode comer meu pão.

Para ouvir "Cadeira Vazia" com o mestre Lupicínio, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO.
Lupicínio Rodrigues, de chapéu, que não é para proteger a moleira do sol nem do relento, não; é para esconder os chifres.

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4 Comentários

  1. A letra me fez lembrar da música "Batendo a porta", do João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro. Parafraseando o Einstein, duas coisas são infinitas: o universo e o corneamento.

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    1. Não conhecia a música. Realmente é muito boa e se encaixa perfeitamente na seção todo castigo pra biscate etc.
      Com certeza, irei aproveitá-la.

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  2. A melhor explicação sobre corno que eu já vi! Tem também, do Lupicínio, a "vingança do corno": Ela disse-me assim, tenha pena de mim...

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    1. Na verdade, a explicação completa sobre a diferença entre o corno clássico e o anti-corno está na postagem anterior, não sei se leu:
      https://amarretadoazarao.blogspot.com/2019/01/todo-castigo-pra-biscate-e-pouco-2.html
      Conheço esta música que você citou, possivelmente vire o todo castigo pra biscate etc (4)
      Obrigado pelo comentário.

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