Era um cara
Que se encantava
Que adorava a escuridão,
A tela brilhante de um cinema,
O aconchego de uma sala de projeção.
Ali se sentia protegido,
Tinha controle sobre todo aquele espaço,
Sabia de cada grão de poeira refletido.
Não se cansava
De ver aquelas vidas armazenadas na películas,
Mas não servia para protagonista.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.
Era um cara
Que lia e lia
Sem a menor pressa
Pra ninguém dava conversa
Se demorava por horas sobre cada linha impressa.
Se deleitava com aquele mundo portátil e silencioso
Que abria ou punha pra dormir quando fosse conveniente
E assim parecia contente.
Sorvia feito mel
As paisagens amareladas e empoeiradas
Do seu mundo de papel,
Mas não servia para escritor.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.
Era um cara
Que escutava e escutava
Com as portas e os olhos fechados
Pra que ninguém pudesse lhe perturbar.
Ouvia repetidas vezes cada melodia
Como quisesse incorporar cada acorde
À sua própria pulsação.
E lhe fascinava esse mundo sem imagens
Esse mundo de puro som,
Mas não servia para canção.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.
Era um cara
Que colecionava e colecionava
Gibis a rodo, quadrinhos de montão,
Lhe tomavam de escravo
Os perigos, as recompensas, a ação.
Cada personagem ali desenhado era um amigo
E de mais nada precisava.
Era perfeito pra ele aquele mundo agitado
Onde o bem sempre vence
Mas o mal nem sempre é castigado,
Mas não servia para herói.
E sendo isso tudo o que queria,
Agonizava,
Não vivia.
E era eu,
Que era como os outros,
Parecidos em fracasso
Iguais em tormento.
Sem nenhuma qualidade
Sem qualquer talento.
Também não sirvo pra vida.
E como isso é tudo o que poderia me provocar o riso,
Também não vivo,
Agonizo.
10 Comentários
PUTA QUE PARIU! Do caralhíssimo! Psicografia de mim mesmo.
ResponderExcluirAcredito que seja mais ou menos o retrato de 90% ou mais da população, mas mais de 90% desses 90% sem talento não se apercebem disso, são ignorantes em relação às suas próprias ignorâncias. E, assim, vivem felizes, felizes.
ExcluirFiquei até sem referências pra qualquer que fosse o paradigma.
ResponderExcluir"J"
A referência é o filme "O Selvagem da Motocicleta", 1983
ExcluirQuerido e amado MESTRE AZARÃO,
ResponderExcluirAdoraria passar um carnaval com esse Selvagem da Motocicleta. O Mestre gosta de motos?
Ex-Boiola
Algumas motos, eu acho bonitas, mas veículos motorizados, sinceramente, não me dão o menor tesão.
ExcluirEx-boiola, que saudades. Como vão as coisas, e o Renatão, e e crushy novo? E sua mulher, tá grudando velcro com as amigas?
ExcluirRapaz, não ligo de fazer o papel de cupido entre vocês, mas não vão meter aqui, não. Aluguem um quarto e se divirtam.
ExcluirPois é estimado anônimo, enquanto o próximo carnaval não chega, fico de boa no armário. Saudades do trenzinho e da enrabada que levei no Guarujá. Mas não me atiço e coloco minhas pantufas cor de rosa e vou dar ração para o meu poodle. De vez em quando a patroa traz a Rosinha aqui em casa e me convida para fazer um rala e rola. Vocês acham que eu deveria participar?
ResponderExcluirEx-boiola
E qual o tamanho da rola da "Rosinha"?
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