No Frigir da Greve

Gostei da recém-suspensa greve dos caminhoneiros. Da Guerra dos Nove Dias travada pelos centuriões das autoestradas. Pela novena conduzida pelos cavaleiros templários do asfalto. Da insurreição dos valorosos bandeirantes das rodovias malconservadas e superpedagiadas deste país de merda e de merdas.
A greve dos caminhoneiros (ou camioneiros) não me trouxe quaisquer aborrecimentos, transtornos ou prejuízos; não causou única alteração em minha espartana e kantiana rotina. Antes pelo contrário, presenteou-me com inesperados surpresa e prazer.
Senão, vejamos :
1) Não fiquei sem combustível. Não tenho carro, moto nem patinete motorizado. Nem, ao menos, dirijo. Andei, como de uso, meus 5, 6 km para ir ao trabalho e meus 5, 6 km para voltar. A caminhada revelou-se, nesses dias, ainda mais relaxante e salutar, com as ruas menos poluídas e infectadas de carros, motos, ônibus, vans e gente; mirem-se no meu exemplo, bichos-preguiça obesos, disformes, safenados e dependentes dos automotores, e no do cantor Leoni : Já tive carro e grana/E um monte de convites pra qualquer lugar/Hoje eu só ando a pé/Mas eu continuo a andar.
2) Não fiquei sem gás de cozinha. No segundo dia da greve, deduzi a possível e provável falta dos simpáticos bujõezinhos e comprei um de reserva, ainda que o em corrente uso, pelas minhas sempre precisas e infalíveis contas, dure ainda mais três semanas;
3) Não fiquei sem alimentos. No supermercado mais próximo, chegaram a faltar alguns produtos frescos - frutas, verduras e legumes -, porém, na quitando do japonês Sudo nada faltou, os dias transcorreram inalteráveis, na mais profunda calma e serenidade oriental, como se nada estivesse a acontecer de anômalo no país. O sábio nipônico se abastece com pequenos fornecedores locais, que fazem suas entregas com kombis e caminhonetes, quiçá riquixás, se preciso se mostrar.
4) Não fiquei sem cerveja. O sacrossanto combustível não sumiu, tampouco rareou das prateleiras; nem mesmo das lojas de conveniência dos postos de combustível. No sábado, precisei ir ao centro da cidade pela manhã e, na volta, entrei na loja de um posto de combustível - na frente de cujas bombas serpenteava uma imensa e colérica hidra, uma interminável fila -, comprei um latão de Bavária e a fui tomando passando rente às janelas dos carros à espera, fazendo pirraça aos dependentes dos automotores, como a dizer : não conseguiram o seu álcool? Eu consegui o meu.
5) Uma única escassez se abateu sobre o meu dia a dia. A escassez de alunos nas minhas salas de aula. Desde a sexta-feira, o espaçamento dos horários dos coletivos urbanos, somado à preguiça genética e inata do brasileiro de se reprogramar, de acordar uma meia horinha antes que seja, levou a uma debandada geral dos alunos, uma diáspora discente. Quando muitos, três ou quatro por sala; hoje, nenhuma alma semianalfabeta na escola. Uma escassez de indisciplina, de desacato e desrespeito. Uma escassez de filhos malcriados, de incivilidade e de bárbarie. Acrescentados ao feriadão de quinta-feira agora, estes dias se transformaram numa inusitada, temporã e muito bem-vinda férias professorais. Um alívio para a alma docente.
Um viva aos caminhoneiros! Longa e próspera vida aos guerreiros da boleia e dos encerados! Que venham e se sucedam outras greves! Quero uma desta a cada fim de mês! Pããããta que o pariu se quero!!!
Oh, Arlindo Orlando, volte! De onde quer que você se encontre... Volte para o seio de sua amada! Ela espera ver aquele caminhão voltando... de faróis baixos... de para-choque duro...

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1 Comentários

  1. Sorte sua porque aqui na terrinha o negócio vai mal, aliás nem vai, tá no prego. Falta de um tudo e o que sobrou é disputado no tapa, no grito e por quem pagar mais. Sinceramente são dias de velho oeste. Eu fico pensando em quão maluco e surreal é esse nosso país onde nem a realidade se divide de forma equalitaria.
    "J"

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