Voltando ao Blog, de Leve...

 "Ele voltou, o boêmio voltou novamente, partiu daqui tão contente, por que razão quer voltar?"

Estou de férias. Uma merda de férias. Não em seu aspecto qualitativo, que, para os meus padrões e gostos simples e frugais, até têm me surpreendido. Mas sim em seu aspecto quantitativo : 15 dias. Uma merda de quinze pífios dias.

Quando ainda em sala de aula, quando ainda na hoje insalubre profissão de professor, tinha férias muito maiores, juntando férias oficiais, recessos etc, beiravam os dois meses; agora, designado em serviço administrativo, quinze dias em julho e mesmo tanto em dezembro.
É um ônus a se pagar pelo bônus. Como professor, eu já estava consumindo tarja preta como quem se delicia com jujubas e outros confeitos. Atualmente, apesar de ser um serviço maçante, burocrático, enfadonho, estou com a saúde mental mais equilibrada.
Não totalmente, lógico, que isso ela nunca foi. Jamais fui mentalmente equilibrado, não posso creditar isso a nenhum fator externo, mas voltei ao meu normal desajuste, ao natural, e com ele me ajeito sem grandes medicações.

Nessas férias, resolvi fazer diferente, não tirar férias apenas do trabalho, mas também de toda a rotina pessoal e particular atrelada e acondicionada à profissional. Sim, porque, desgraçadamente, nosso ramerrão pessoal, o tempo que convivemos com quem nos é caro, as atividades que realizamos e que ainda nos dão algum grau de satisfação, é que têm de se ajustar, de se amoldarem à imposta carga de trabalho. Penso eu que o contrário deveria ser, que todos deveríamos estabelecer primeiro uma praxe mínima pessoal e particular satisfatória de lazer e ociosidade e a ela as horas e a rotina profissional que se adequassem. Mas não é assim e, enfim, vida que segue. Para onde e para quê? Nem imagino. Mas segue.

Assim, para tirar férias também da rotina pessoal me permitida pela profissional, tracei três diretrizes básicas.
Primeira : gente. Evitar o quanto possível contato com a tal gente, com o tal bicho humano. Zero contato, em condições ideais. E confesso que logrei bom êxito nesse sentido. Nesses quase quinze dias de descanso (desafortunadamente, retorno já na quarta-feira, 16/07), só conversei com minha esposa, meu filho, minha cadelinha e minhas duas gatas, sendo que os últimos prestam-me muito mais atenção que os primeiros. Fora eles, apenas o necessário com o atendente do mercado, a balconista da padaria.

Nestes quase quinze dias de férias, não dei um bom-dia para ninguém. Não gosto de dar bom-dia. Me acostumei a tal cumprimento, a responder a ele, mas não me é natural nem de crença. Até entendo as pessoas que logo cedo, ainda sonadas, desejam alegremente bom-dia umas às outras. Elas estão começando mais um dia de um trabalho chato, ineficiente, improdutivo; que tenham, pois, até como autopreservação, até para que pensamentos de autoextermínio não lhes passem pela cabeça, a ilusão de que será um bom dia, de que as palavras tenham o poder de modificar suas realidades. Elas não têm.

Segunda : mudar minhas rotas habituais de caminhada. Deixar de caminhar, jamais. Faz-me bem dar boas pernadas pelas ruas. É e sempre foi a única atividade física agradável para mim. Academias? Só me quiserem de volta aos tarjas pretas. Não suporto academias. Não gosto nem de passar pela frente delas, por suas vitrines. É um verdadeiro templo, é uma Basílica de São Pedro erguida a Narciso. Nem Narciso suportaria a profusão de espelhos que cobrem suas paredes.

Em relação às mulheres que as frequentam, só existem dois tipos : as gostosas, que nem precisariam estar ali, e que nunca vão querer dar pra você, e as barangas, que nunca ficarão gostosas, por mais exercícios que façam, e essas, você é que não quer comer.
Quanto aos homens, há três variantes básicas. O modelo frango de granja, com um peitoral enorme e inchado e perninhas de taquara, o rinoceronte anabolizado e a gazela de bermudas de cotton e topzinho.

Exemplares da patética fauna humana que, de fato, não me despertam nenhum interesse. Fora a trilha sonora, músicas ditas motivacionais, que dão pique e energia para os exercícios, mas que a mim soam como marchas fúnebres; melhor : assassinas.
Portanto, deixar de caminhar, jamais, mas mudar meus caminhos.

Antes, dentro do tempo autorizado pelo trabalho, eu subia uns três quarteirões, pegava a avenida 13 de maio, caminhava outro pedaço, chegava a uma marginal da rodovia Castelo Branco, seguia até o Novo Shopping e voltava. Sete e poucos, oito quilômetros.

Pois nestes dias de ócio, tomei outras trilhas. Revisitei a Vila Tibério/Sumarezinho, há uns 5 anos não passava por lá, bairro em que nasci e vivi até os meus oito, nove anos de idade e onde, depois, a partir de 2003, lecionei por 18 anos. Avenida Francisco Junqueira, Via Norte, Avenida Zerrener, passar pelo supermercado Grick, ver se achava uma nova boa e barata (não achei) e voltar cortando em zigue-zague pelo velho Centro, quase 10 quilômetros.

Revisitei também o bairro Campos Elíseos (peguei a Francisco Junqueira, emboquei pela avenida da Saudade, passei pelo cemitério da Saudade, fui quase até os seus cafundós), bairro em que nunca morei ou trabalhei, mas no qual, durante uns 15 ou mais anos, cortei meu cabelo (isso na época em que eu ainda cortava regularmente o cabelo, a cada mês, mês e meio; hoje, meu corte é semestral, e olhe lá). Por que tão longe para cortar o cabelo? O Geraldo, o barbeiro em questão, começou a cortar cabelo aqui perto de casa, durante um ano ou dois, atendia aqui no bairro como auxiliar de um outro barbeiro já mais das antigas, então, num terreno da família nos Campos Elíseos, ele construiu seu salão e passou a atender por lá. Eu acabei por acompanhá-lo. Cheguei a passar em frente de seu salão, à rua Pinheiro Machado, mas que, pelo cedo da hora, ainda estava fechado. Caso estivesse aberto, será que eu entraria para rever Geraldo, será que ele me reconheceria? Segui adiante, paralelo à toda lateral dos muros do cemitério da Saudade, dobrei na Luiz Barreto e voltei a desembocar na Francisco Junqueira, na rotatória Amin Calil, na qual, em de seus quadrantes, instalou-se um supermercado da rede Amarelinha. Aproveitei, entrei e achei uma boa e barata, a cerveja Subzero, R$ 2,39. Para mais detalhes, vide vídeos no As Boas e Baratas do Azarão. Retornei para casa pela Francisco Junqueira. Dez quilômetros e meio de caminhada.

Retornei também ao bairro da Lagoinha, em que morei dos meus nove aos 12 anos de idade, quando meu pai foi transferido para outra cidade, mas essa é uma outra história. Subi, peguei a 13 de maio, desci uma avenida que não sei o nome até a Barão do Bananal, passei pelo bairros Parque dos Bandeirantes e Jardim Zara, entrei no supermercado Mialich, encontrei ali uma boa e barata que ainda não fazia parte do acervo do meu canal no You Tube, As Boas e Baratas do Azarão, voltei à Barão do Bananal, cobri toda a sua longa extensão, passei pelo bairro Vila Abranches, desemboquei na Via Anhanguera, atravessei para o outro lado através de uma passarela e caminhei mais um tanto até uma loja nunca dantes visitada da rede atacadista O Atacadão, quem sabe outra boa e barata? Atravessei de volta a passarela, cortei pelo bairro do Lagoinha, saí na Castelo Branco e retornei pra casa. Quase dez quilômetros. 
Velhas e quase esquecidas paisagens. Velhas e rememoradas lembranças.

Terceira : não acessar nenhum site de notícias, assim como não sintonizar nenhum canal de TV, seja ele aberto ou a cabo, de cunho jornalístico. Há quase quinze dias que não vejo as caras de Lula, de Bolsonaro, de Alexandre de Moraes, que nada sei sobre as votações da Câmara e do Senado, sobre os tarifaços de Trump. E estou bem melhor assim. Só lembro que estamos sob os auspícios do governo do Amor porque minhas idas ao mercado são inevitáveis.

Concomitantemente, decidi também deixar de lado por esse tempo minhas canetas e meu caderno de anotações e rascunhos, com as quais e no qual escrevo os textos que, depois de digitados, transformam-se nas postagens aqui do Marreta. Resolvi tirar férias também da escrita.

Antes de tudo, porque, diferente do que a maioria julga, a escrita não é tarefa apenas mental, muitas vezes é até mais física, até pode ser a cabeça que pensa, que tem a ideia, mas quem a estrutura, quem dá forma e corpo a ela, quem faz seu parto a fórceps e a traz à luz e à apreciação (ou rejeição) do mundo, é a mão, a calejada mão. Escrever, ainda mais para mim, que ainda o faço antes manuscrito para só depois digitar, é uma atividade física, e, a considerar minha idade, assaz exaustiva nos últimos tempos. Assim, quando tenho uma ideia, tenho ponderado muito se ela vale o esforço de escrevê-la. Nesses quinze dias, decidi, portanto, dar-me um descanso desta faina, também.

E direcionar o tempo não usado para me inteirar das desgraças da politica brasileira e, muitas vezes, escrever sobre elas, na tentativa de resgatar práticas e atividades que me eram comuns e que fui deixando de lado nos últimos anos, seja por falta de tempo, seja por preguiça, seja pelo desinteresse e desânimo (talvez) naturais e próprios do que se chama envelhecer.

Consegui assistir a oito filmes, de bons a médios, a maioria do gênero chamado de suspense psicológico, destaque para o HeregeNefarious e o perturbador Não Fale o Mal. Reassisti, ainda, a dois clássicos da sétima arte, de gêneros totalmente distintos, a provar minha ecleticidade, Quatro Casamentos e um Funeral e o inigualável Taxi Driver.  

Também abri meu desorganizado baú e resgatei inúmeros gibis, títulos que nem mesmo me lembrava de um dia ter comprado, quanto mais lido. Reli um bom bocado deles, tomei cerveja com amigos com quem há muito não conversava, Jim Starlin, Roy Thomas, John Buscema, Jim Steranko, Gil Kane, Howard Chaykin.

Consegui até, talvez de quase dois anos, começar e terminar de ler um livro. O que digo com muita tristeza, com muito pesar pessoal e grande vergonha, justo eu, em que tive tempos de visitar a biblioteca pública pelo menos uma vez por semana para devolver obras lidas e retirar outras, quando não duas vezes, até. A Longa Noite, um livro de contos de Raymond Chandler, um dos mestres do romance policial, gênero considerado por muitos empoadinhos como subliteratura.

Quanto a me afastar do blog, da minha "produção de conteúdo" (huuuummmm, o Azarão nessa frescura) na internet, confesso que não logrei de total êxito em fazê-lo, usei de um ardil, de um subterfúgio. Com a escrita, parei. No entanto, muito produzi - dentro dos meus padrões, é claro - para meu canal de vídeos no You Tube, As Boas e Baratas do Azarão. Foram seis vídeos em dez dias. Para quem grava um a cada dois, três ou mais meses, é um recorde. Produção muito atrelada à e possibilitada, é claro, pelas minhas férias e minhas caminhadas por rotas alternativas, que permitiram que eu entrasse em mercados nunca dantes visitados e colhesse algumas novas boas e baratas, atividade de pesquisa e de garimpo para a qual não me sobra tempo em períodos de trabalho.

Foram, portanto, estão ainda a ser, boas férias nesse sentido, férias da vida oficial com direito a uma bela viagem à vida como ela deveria ser.

Não pensem, no entanto, que por conta disso tudo, eu tenha tido algum tipo de iluminação, de epifania, que passarei a encarar o mundo cão aí de fora de outra maneira, como uma dádiva ou coisa piegas que o valha. Minha visão dura e desesperançada da vida e do ser humano apenas tirou férias, também, mas continua aqui. Mostra disso foi o que aconteceu na sexta-feira, logo pela manhã, por volta das sete horas, num certo trecho de minha caminhada.

Dirigi-me a um cruzamento de pedestres, bem à entrada de uma rotatória, para esperar o semáforo ficar vermelho para os automotores e atravessar para o outro lado da pista. Bem em cima da faixa de pedestres, um carro parado, enguiçado. Um táxi, um uber, sei lá. Com a porta aberta, o motorista, um homem de seus quarenta, quarenta e cinco anos, estava com a perna direita dentro do veículo, com a esquerda fora, fazendo força no asfalto e, com o ombro pressionado contra a parte superior e interna da porta, tentava empurrar, fazer mover-se o carro, se não no intuito de fazê-lo "pegar no tranco", ao menos, tirá-lo do fluxo do intenso tráfego que estava a bloquear. Em pé, fora do carro, do lado direito da condução, a passageira. Uma balzaquiana das mais apetecíveis, toda vestida em roupas sociais, sapatos de salto médio, típica vestimenta de escritório, de quem ocupa algum cargo administrativo.

O semáforo fechou para os veículos e eu me desloquei por sobre a faixa de pedestres. Quando me viu, a moça se dirigiu a mim e disse ; "moço, você não ajuda a empurrar o carro?".
Primeiro que "moço" é o caralho, é a puta que o pariu! Porém, na fase (quase) zen em que me encontro, respirei fundo e duas máximas da "sabedoria" popular me ocorreram : gentileza gera gentileza e ações valem mais que palavras. Pu-las em automática prática : não falei nada, tão-somente olhei para ela - era mesmo bem comível, a tal -, mostrei minha mão direita apenas com o dedo indicador levantado e o coloquei em movimento de pêndulo, oscilei-o algumas vezes da esquerda para a direita, no conhecido e inequívoco sinal de "não". Atravessei a faixa e segui caminho.

"Moço, você não ajuda a empurrar o carro?"
Ora, porra, que proposta indecorosa é essa, que alguém tem a coragem de fazer a um quase sexagenário como eu? Ora, porra, e a igualdade dos sexos, minha filha? Pois use de todo seu empoderamento, de todo seu girl power e empurre você a merda do carro! Empurre o carro como uma garota!
E mais : pedir, por exemplo, "moço, me ajuda a dar uma gozadinha, me ajuda a ficar molhadinha, a fazer minha bucetinha feliz?", ninguém me pede, né? Ora, pois então vá à merda, minha filha.

E assim, de leve, devagar, vou retornando ao blog. E já retorno com categoria. Com classe, finesse e, sobretudo, muita gentileza e solicitude para com o ser humano.

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2 Comentários

  1. Rapaz, mas tu estás mais bruto que gaúcho dos pampas, hein? Hehe.

    Sobre os filme, se assistiu a versão americana de "Speak no Evil", esqueça... assista a original, que é muito mais perturbadora. Recomendo outros dois filmes na mesma linha, caso não conheça "Martys" (o original francês de 2008) e The Killing of a Sacred Deer, este último com excelente atuação do Colin Farrell.

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    1. Apesar de gostar bastante do ator da versão americana, acabei assistindo mesmo ao dinamarquês.
      Vou procurar por esses que me recomendou.
      Abraço

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