Você Tem Fome de Quê?

Quem recebe e se utiliza de cartão de vale-alimentação para fazer suas compras no supermercado, sabe que algumas redes não aceitam tal forma de pagamento para bebidas alcoólicas. Na primeira vez em que me deparei com esse obstáculo, perguntei à moça do caixa sobre o porquê : cerveja não é considerada um gênero alimentício, ela me informou.
Eu, normalmente, por conta própria, já faço essa separação. Não costumo mesmo comprar cerveja nem no meu miserável e patético cartão de migalhas que recebo do Estado nem no mais bem fornido vale-alimentação (que passarei a representar daqui em diante por V.A.) de minha esposa. É coisa minha. Gosto de saber mais ou menos dos meus gastos mensais nos diversos setores que nos comem pela perna e nos arrancam o couro, para que, numa eventualidade, numa época de vacas menos gordas, eu saiba exatamente por onde posso e devo cortar alguns excessos, algumas gordurinhas do orçamento.
Mas, eventualmente, em meio a uma compra um pouco maior, até jogo umas três ou quatro latinhas lá no meio. Não vejo problemas. Tem quem vê.
A exemplos, a nacionalmente conhecida Carrefour e a paulistanamente conhecida rede de atacados Assaí não aceitam o V.A. como paga da sacrossanta cerveja. Preconceito puro. Sem nenhum fundamento lógico. Discriminação braba contra o bebum. E tenho provas irrefutáveis do que afirmo.
Dia desses, ontem para ser mais exato, eu passei pelo Assaí para comprar uns víveres e outros que tais, e acabei aproveitando uma oferta de cerveja, comprei um fardo da boa e barata Proibida Puro Malte (a do rótulo preto, que a do vermelho não é grande coisa) para tomar no fim de semana.
Ao colocar minhas compras na esteira do caixa, já fiz a separação, primeiro o fardo de cerveja e, logo atrás, guardado um certo espaço entre eles, os outros produtos - primeiro os gêneros de primeira necessidade, depois os supérfluos -; eu pagaria a cerveja com dinheiro e o restante com o V.A.
A operadora do caixa, quando viu o cartão alimentação na minha mão, foi logo recitando a programação lhe inculcada em seu treinamento :
- Senhor, não pode pagar bebida alcoólica com V.A.
Eu disse que já sabia e que iria pagar em duas contas separadas. Ela passou a cerveja e eu paguei em espécie. Então, ela foi passando os outros produtos, um frango congelado, um pedaço de muçarela, um pão de forma, um pote de maionese, duas caixas de suco de laranja, mais duas de leite integral e, só me caiu a ficha na hora, também alguns produtos de limpeza, um pacote de sabão em pedra, umas buchas de lavar louças - daquelas amarelas de um lado e verde do outro -, um litro de água sanitária e três tubos de detergente. A moça passou tudo aquilo e cobrou a conta toda no V.A., sem nenhum problema ou ressalva.
Pããããããããta que o pariu!!!! Quer dizer que cerveja não é considerada gênero alimentício e uma barra de sabão, sim?
Como todos sabem, nós temos duas consciências opostas, conflitantes e em eterno litígio a nos aconselhar e a nos dar ideias. São aqueles famosos anjinho e diabinho, cada qual em um de nossos ombros, que ficam disputando nossa alma. O primeiro só nos inspirando bons sentimentos e boas ações; o segundo a fomentar maus pensamentos, que são sempre os melhores. Pois bem. Se além do diabinho no ombro esquerdo, eu tiver também um anjo no direito, esse anjo é o caído, é o Lúcifer. Eu não penso nada que preste. Só penso em canalhices e sacanagens, embora quase nunca as ponha em prática.
Na mesma hora, veio-me a ideia de pedir à moça do caixa que me chamasse o gerente - sim, o gerente, pois a moça não tem culpa nenhuma, só segue ordens. Assim que o gerente - de gravatinha, sapato de verniz e gel no cabelo - chegasse até mim com seu passo altivo, orgulhoso de seu pequeno poder, eu lhe perguntaria por que não pude pagar a cerveja no V.A. 
Ele ajeitaria a gravata, empertigaria-se, colocaria-se levemente na pontas dos pés, para tentar se pôr num patamar superior ao meu, empostaria a voz e diria que cerveja não é alimento.
Aí, ele teria caído na minha armadilha, aí, ele teria me dado a deixa de que eu precisava. Cerveja não é alimento, e sabão em pedra, detergente e esponjas lava-louças, são? - eu lhe perguntaria. Ele gaguejaria, ensaiaria sons desconexos enquanto tentava organizar seus pensamentos. Eu, claro, não lhe daria tempo.
- Pegue esse sabão em pedra aqui - eu começaria a minha artilharia -, come um pedaço pra eu ver, vai, dá uma boa duma mordida. Ele começaria a suar e a ficar impaciente, rir aquele risinho amarelo, sem graça.
- Não? Não aprecia a marca, Minuano? Tudo bem. Posso trocar por uma de sua preferência, Ypê, Brilhante, qual prefere? Ah!!! Pelo jeito, você é um gourmet. Não há problemas, posso tentar providenciar um sabão artesanal, caseiro.
Ele, afobado, começaria a olhar para os lados, à procura de algum segurança.
- Ah, está de regime? Tudo bem. Então, só tome um gole desse suquinho de tensoativo, detergente para os menos letrados. Não lhe agrada o neutro? Tem aqui também um de laranja e outro de coco.
Pããããããta que o pariu!!!
O caralho que cerveja não é alimento. Diga isso para a minha incipiente e crescente  barriga. A cerveja é rica em minerais como o cálcio, o fósforo, o sódio e o potássio, o que a torna uma excelente repositora de eletrólitos, um gatorade de macho. É rica também em vitaminas, sobretudo as do complexo B; a B1, que auxilia no funcionamento dos nervos e músculos, a B2, que colabora para a manutenção dos tecidos, e a B5, que age no metabolismo de carboidratos e gorduras. Além, é claro, dos carboidratos do malte e da cevada.
Não é alimento? O caralho que não.
E isso dizendo só das necessidades do corpo. E para a alma, então? Aí é o próprio maná, a própria ambrosia. Um bom canecão de cerveja fortalece minha esquálida e triste alma tanto quanto uma lata de espinafre anaboliza os bíceps do Popeye. Dá-lhe não somente asas, que isso é slogan de outra bebida para viadinhos, acopla-lhe também turbinas, reatores atômicos, propulsores fotônicos, feito os da Enterprise.
Mas ainda existem territórios livres nos quais os machos das antigas podem exercer seu livre arbítrio. Há, aqui na região, a rede Savegnago de supermercados, que aceita na boa o V.A. na compra de cerveja. Não faz distinção, não discrimina nem faz perguntas sobre a origem do dinheiro; dinheiro bom é dinheiro em caixa. Um verdadeiro paraíso fiscal, o Savegnago.
Pau no cu do Carrefour e do Assaí. Vida longa ao Savegnago e a todos os outros mercados de boa vontade.

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2 Comentários

  1. Estou a tomar minhas quatro petras compradas no Extra e me fizeram pagar separado. Bem agora estou na minha quarta. E só agora li este texto. Da próxima vez vou perguntar sobre os produtos de limpeza. Agora vou parã a derradeira.

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    1. A Petra é boa, embora não seja das mais baratas. Da pilsen, nunca tomei, só da preta, a Schwarzbier.

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