Setembrochove

70 dias de uma estiagem quase bíblica, quase uma praga daquelas que só o bondoso Deus sabe enviar para presentear os idiotas que lhe prestam adoração. 
Junte-se, à secura dos céus, uma região extirpada de toda sua mata nativa e um povo chucro que prefere viver devendo as cuecas, morando de favor ou aluguel, vendendo o almoço pra comprar a janta, mas a ostentar seus carrões do ano, e temos Ribeirão Preto : uma franquia do inferno, uma sala VIP do Saara, um McDonald's do Atacama.
Porém, mesmo em meio a uma atmosfera com sinusite, renite e ranhosa, eu me mantive relativamente tranquilo, mesmo em meio a esse cenário de um 2012 dos Maias, eu - quem poderia supor? - mantive a esperança de dias mais úmidos e respiráveis.
Não uma esperança infundada, não uma esperança de cunho religioso, não uma esperança que é o último recurso de quem, simplesmente, nada pode fazer a não ser esperar, esperançar. Nada disso. Minha esperança era muito bem fundamentada, alicerçada em um dos princípios mais irrevogáveis do universo : o mês de Setembro.
Sendo setembro, a chuva viria! Querendo ela, ou não. Querendo os deuses pluviais, ou não. E ela veio. A princípio, timidamente, mais um salpicar que um chover, mas ontem ela caiu plena.
Setembro está acima de todos os quereres cósmicos e cosmogônicos.
Vidas vão e vêm, governos se sucedem, impérios se erigem e derrocam, espécies surgem e são extintas, eras geológicas bailam em círculos, o planeta ora é gelo ora é fogo.
Só há uma única lei universal e irrevogável. Desde a maior bolha Lyman-alpha até o menor neutrino, todos estamos sujeitos a ela.
Só há uma diretriz invariável em todo o universo, até deus, caso existisse, a ela teria de se curvar, dela ninguém escapa : Setembro chove.

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