Danos Morais? Eu É Que Sei.

Uma empresa de buffet, de São José dos Campos (SP), foi condenada judicialmente a devolver metade da quantia que recebera por um contrato de casamento e mais uma indenização de R$ 5.000,00, por danos morais.
Salmonella na comida? Infecção intestinal generalizada? Convidados e garçons patinando em merda e vômito pelo salão? Bombeiros, SAMU e SWAT acionados?
Nada disso.
O motivo da condenação foi um indesejado, é verdade, porém simples equívoco na decoração do casamento. Os nubentes contrataram uma decoração que incluía tapete verde e flores brancas, receberam tapete vermelho e flores brancas e salmão.
Para mim, a coisa é simples. Se a decoração entregue tiver valor monetário menor que a encomendada e paga, o buffet simplesmente faz um pedido de desculpas e devolve a diferença em dinheiro; se a decoração entregue custar mais que a encomendada, o buffet faz um pedido de desculpas e arca com o prejuízo.
Até porque ninguém vai a um casamento para ficar reparando em tapete e florzinha, o povo vai para encher o cu de comida e bebida e sair reclamando.
Mas não. Em tempos de politicamente correto, de direitos sem deveres, de brios e orgulhos tão frágeis e melindrosos, de pessoas tão sensíveis e educadas, a ordem do dia é arrancar um dinheiro de quem supostamente o tenha lesado.
Como um tapete vermelho em lugar de um verde e rosas salmão em lugar de brancas podem lesar moralmente àlguém? Frescura. Pura frescura. O casal querelante viu no equívoco do buffet uma chance de não pagar pela festa e ainda ganhar um bônus para custear a viagem de lua de mel.
É uma geração de frouxos, essa abaixo dos 30 anos. E safada. E oportunista. Das mais viadas que já passaram pelo planeta. Nada sabem de verdadeiros traumas ou danos morais.
O caso do buffet me fez lembrar de um acontecimento que se deu comigo. Acontecimento, não, esse sim um verdadeiro infausto, um sinistro.
Quando eu contava com 9 ou 10 anos de idade, meus pais resolveram me matricular numas aulas de judô. O propósito era fazer o que hoje chamam de socialização, avesso que sempre fui ao contato humano.
Lembro que não ofereci resistência à ideia, não porque estivesse interessado em me enturmar, mas porque na década de 70 estava muito em voga os filmes de artes marciais, aqueles incríveis chineses voadores, praticamente à prova de balas. Na minha cabeça de criança, o judô me daria poderes, poderes que me defenderiam justamente de quem quisesse muito se aproximar de mim.
Longe de ser dos melhores, até que dos piores também não me mostrei, cheguei a ganhar umas medalinhas e troquei de faixa duas vezes. Até que deu-se a desgraça.
Por ocasião de meu aniversário, minha mãe resolveu levar um bolo no judô, fazer-me confraternizar com os outros alunos. Se tem algo que sempre me incomodou mais do que viver em bando, é ser tornado em centro das atenções do bando, a exposição pública é deveras exasperante para mim.
O bolo teria sua superfície enfeitada feito um campo de futebol, com direito a um bando de bonequinhos toscos de plástico a trajar camisas de times adversários. Lembro que foi me dado o "direito" de escolher os clubes que pelejariam sobre meu bolo, mas não lembro dos times que escolhi.
Fim da aula de judô. Todo mundo reunido para minha humilhação e o bolo ainda não havia chegado, algum contratempo. Comecei a nutrir esperanças de escapar à minha execução pública. Foi uma das últimas vezes que me permiti nutrir algum tipo de esperança. O bolo chegou. E foi pior, muito pior que qualquer coisa que um menino introvertido de 10 anos pudesse imaginar.
O elenco futebolístico da boleira devia ter se acabado e ela, ao invés de simplesmente escrever meu nome em arabescos de glacê, resolveu improvisar, pôr em prática todo o seu talento. Em lugar do gramado verde de coco ralado tingido e bonecos sem face, estavam lá, todas lépidas e faceiras, oito formiguinhas bailarinas; em lugar de truculentos de chuteiras, o balé Bolshoi do Vida de Inseto.
Puta que o pariu!!! 
As formiguinhas dançantes e sorridentes eram confeccionadas, cada uma delas, de três pequenas esferas cinza de isopor (abdômen, tórax e cabeça) e vestiam saias multicoloridas de papel crepom, verde, amarela, cor de rosa, alaranjada etc.
E vem o sujeito dizer que sofreu dano moral porque recebeu tapete vermelho em vez de verde?
Dano moral, psicológico, psiquiátrico, hospiciátrico -  e irreversíveis -, é o que eu poderia ter sofrido com as formigas bailarinas. Se eu não fosse eu. Se eu não fosse quem eu sou. Se eu não tivesse sido sempre quem eu sou.
Da visão das formigas bailarinas em diante, confesso que de nada lembro. Não lembro se cantaram parabéns, se ganhei presentes, nada. Quem me visse à distância poderia afirmar que eu estava travado, em total estado de choque. Eu estava encasulado, isso sim. Encistado feito uma bactéria, como sempre faço em situações adversas, mas longe de estar em estado de embotamento mental.
Eu estava era matutando, ruminando uma solução para aquele revés. E já cheguei em casa com ela.
No dia seguinte, comuniquei aos meus pais que não mais retornaria às aulas de judô, não suportaria a vergonha do que aconteceu, justifiquei. Também que nunca mais quereria outra festa de aniversário, ficaria aflito à simples possibilidade de outro vexame. Como nunca fui muito normal, meus pais acabaram por concordar, talvez me contrariar só piorasse as coisas. Acho que eles não quiseram arriscar.
Não ganhei cinco mil reais de indenização como o casalzinho do buffet. Ganhei coisa muito melhor, sem preço. Livrei-me da prática de um esporte coletivo e da parentada toda cantando anualmente é pique, é pique, é pique, com quem será que ele vai casar etc.
Saí no lucro. Podem acreditar.

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1 Comentários

  1. KKKK, vc escreve bem e essa "indústria do dano moral", se constitui ela mesma num dano moral coletivo. Sobre essas manias de mães exporem a execração seus filhos, elas têm lá seus direitos, né?! Afinal foram nove meses! O casalzinho lá, sei não, darão golpes um no outro. Seu leitor, embora não concorde com a parte dos seus arroubos, mas aprecio a honestidade, a coragem, virtudes viris e tão cristãs que ficam esquecidas.

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