Havia

Expectativas são o oxigênio da existência humana.
Esperanças, ainda que - e principalmente - as infundadas, são o combustível da alma.
Desejos realizados, ou dos quais se desistiu, são entes queridos sepultados; realizações são as coroas de flores, as velas pretas e o discurso do padre sobre o caixão de nossos mais belos quereres.
 
Só sentimos a vida nos insuflar enquanto nos mantemos na condição de burros que visualizam e almejam a cenoura pendurada às suas frentes na ponta de uma longa vara. Enquanto burros crentes na utopia da cenoura e esperançosos em alcançar a tão cobiçada e suculenta raiz, qualquer carroça nos é carga leve, quase que imperceptível.
 
Basta, no entanto, que ou alcancemos a metafórica cenoura ou que, vencidos e convencidos pela realidade, desistamos dela, basta que nada mais esperemos, para que a vida, essa carroça paleolítica, torne-se-nos carga insuportável, um castigo de Atlas.
 
Já as tive em bom número, as esperanças e as expectativas. Hoje e há tempos que não mais. Hoje e há tempos descobri que a alegórica cenoura não existe - a não ser no caso do Mário Gomes, que tomou a metáfora muito ao pé da letra. Ou se existe, é para pouquíssimos afortunados. Inatingível para a maioria de nós, meros mortais.
 
Das esperanças, restam só os ossos, secos, quebradiços, feito ossos de galinha, que, volta e meia, geralmente de madrugada, vêm-me em refluxo à garganta, e eu os vomito dentro de um muco ameboide cinza-esverdeado.
 
Das expectativas, só restos mal digeridos, que eu, feito gato velho, expectoro em bolas de pelo. Pelo e viço que, há eras e éons, perdi.
 

Postar um comentário

0 Comentários