O Caixa 2 de Deus (Ou : Eu, o Sérgio Moro do Diabo)

O deputado boliviano Sergio Choque saiu-se com um projeto de lei para lá de herege : o parlamentar quer quebrar o sigilo bancário de Deus, auditar o livro-caixa do Senhor. Ou, pelo menos, uma vez que Deus não existe, ou não tem nem CPF (cadastro de pessoa física) nem CNPJ (cadastro nacional de pessoa Jeová), devassar a contabilidade dos autoproclamados representantes terrenos de Deus, pastores, padres e outros estelionatários da fé.
O deputado quer que os rendimentos das igrejas sejam declarado ao fisco boliviano. Tudo discriminado, tudo preto no branco, tim-tim por tim-tim, a origem dos donativos, o montante e a destinação. É a CPI do Dízimo! É a Lava Jato da Sacolinha!
Antes mesmo de ser acusado de qualquer coisa, o pastor Eloy Luján, presidente da Associação de Igrejas Cristãs Evangélicas de Cochabamba, estrilou, pôs o boca no trombone de Jericó, cantou feito galinha que acaba de botar ovo, saiu em ataque ao projeto do deputado e, ao mesmo tempo, em autodefesa, comportamento típico e padrão de quem tem culpa no cartório.
Eloy Luján disse que a aprovação de tal projeto seria um "absurdo", que um Estado declarado laico não pode exercer nenhum tipo de interferência e de ingerência nas atividades religiosas, que um Estado laico nada entende das coisas de Deus e da fé. Grande safado, esse pastor.  Nessas horas, o Estado é laico, né?
Na hora do recebimento de privilégios, nunca vi nenhum líder religioso exigir o pleno exercício do Estado laico. E são muitos, os privilégios : isenção de impostos, doação de terrenos públicos para a construção de templos, concessões de canais de rádio e tv para melhor divulgar a palavra de Deus  e atingir e garantir a tosquia de um rebanho cada vez maior, homens de algumas religiões ficam isentos do serviço militar etc etc. Todos privilégios, diga-se de passagem, indevidos, ilegais, inconstitucionais a rigor.
Agora, na hora da contrapartida, da prestação de contas de toda a dinheirama advinda dessas benesses estatais, os pilantras de Cristo dizem que as igrejas não devem qualquer tipo de satisfação a um Estado secular. Verdadeiros canalhocratas, como diria Bezerra da Silva.
A revolta do pastor chamou mais atenção para o projeto que o próprio projeto em si, que passaria despercebido em direção às gavetas dos projetos não aprovados, pois, sendo o parlamento boliviano formado por bons cristãos e homens tementes a Deus, a auditoria do livro-caixa de Deus não tem a menor chance de prosperar.
Ainda mais que o projeto obrigaria também a Igreja Católica da Bolívia a prestar conta dos recursos enviados ao Vaticano. Não consegui encontrar a porcentagem enviada nem a periodicidade do envio, mas cada paróquia católica do planeta, desde uma basílica a uma simples capela ou ermida, esteja localizada numa grande metrópole ou no cafundó do Judas, é obrigada a pagar certo quinhão do que arrecada para o Vaticano. Ou seja, cada padre tem que pagar os royalties pelo uso da marca, para manter sua franquia.
Ocorreu-me agora : esse dinheiro enviado para o Vaticano, uma vez que não declarado, não poderia ser considerado um tipo de evasão de divisas? Cada paróquia do planeta não seria possuidora, portanto, do equivalente a uma conta bancária no exterior, um caixa 2 num paraíso fiscal? É o Éden da propina!
Adorei o projeto do deputado boliviano. Estará lançada a semente de uma bancada ateia na América do Sul?
Aliás, essa situação me lembrou de uma piada.
"Três líderes religiosos - um monge budista, um padre católico e o Edir Macedo - foram entrevistados sobre a destinação que davam aos donativos arrecadados, de como era feita a partilha entre o montante que ia para as obras de Deus - ajudas assistenciais, caridade etc - e o que ia para as coisas dos homens, para as necessidades dos sacerdotes, manutenção dos templos e coisa e tal .
O monge budista, todo zen e sereno, foi o primeiro a responder : bem ao centro do templo, no chão, há uma pintura da Roda de Buda, ou Roda do Dharma, pois eu me posiciono bem ao centro da roda e lanço os donativos para o alto, o que cair dentro da roda é de Buda, o que cair fora é para as necessidades parcas e frugais dos monges e do mosteiro.
Em seguida, veio o padre católico : eu procedo de forma parecida ao colega monge, vou para perto do altar-mor da minha igreja, lanço os donativos para o alto e o que cair em cima do altar é de Deus, o que cair no chão é para o sustento das necessidades terrenas dos padres, coroinhas e seminaristas, que, estando sempre saciadas e locupletadas, nos dão mais ânimo e forças para bem continuar a obra do Senhor.
Por último, o Edir Macedo : eu também procedo de forma semelhante às dos meus colegas, vou para o centro do Templo de Salomão e jogo o dinheiro pro alto, o que Deus pegar é dele.
(em tempo : na piada original, eram um monge budista, um padre católico e um rabino, mas como publiquei recentemente duas postagens de conteúdo judaico - Sadomasoquismo Judeu e Queda do Muro das Lamentações -, antes que algum filho da puta comece a me acusar de antissemitismo, achei por bem substituir o rabino pelo Edir Macedo, a ideia é a mesma)"
Agora, se aprovado o projeto do deputado boliviano, não forem encontrados, porém, policiais dispostos a investigar, promotores dispostos a acusar e juízes dispostos a condenar, por medo de excomunhão e da danação eterna, é só o deputado Sergio Choque entrar em contato comigo aqui no Marreta. Serei, com todo prazer, júri, juiz e executor da CPI do Dízimo, da Lava Jato da Sacolinha.
Eu, o Sérgio Moro do Diabo.

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1 Comentários

  1. Eu sempre achei que os líderes religiosos (padres incluídos) deveriam ser submetidos ao detector de mentiras para obter uma prévia de sua "fé". Uma boa pergunta, para começar, seria "você acredita em Deus?". Quanto ao dízimo católico, garanto que é uma merreca diante dos dez por cento dos evangélicos. Como sou católico praticante, fico observando a hora da coleta ocorrida durante a missa. A maioria não dá nada ou, quando dá, entrega algumas moedas ou notas de R$2,00. Católico é munheca pra caramba. Mas a auditoria seria mesmo uma boa.

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