Nelson Rodrigues nunca disse a seguinte frase, mas certamente a chancelaria : a felicidade é dádiva concedida apenas aos idiotas.
A Evolução, dizem, premiou-nos, os humanos, com a Inteligência - um tipo particular de, afinal, todos os outros seres também a possuem, cada um de uma forma, cada qual com uma vertente dela.
A inteligência nos "dada" pela Evolução sempre me pareceu - e que Darwin releve esse meu laivo criacionista - a macieira do Jardim do Éden. A macieira estava lá, bela e frondosa, carregada de suculentos e tentadores frutos. Querem permanecer na matrix do Paraíso? - perguntou Deus, impositivamente. Não comam da maçã, do pomo vermelho do conhecimento.
Querem continuar no feliz paraíso da ignorância? - parece ter nos perguntado a Evolução. Não façam uso de suas inteligências. Ou o façam com moderação, com muita moderação, apenas o necessário à sobrevivência.
Talvez essa particular modalidade de inteligência - a do homem que sabe e que sabe que sabe - seja o que nos tenha permitido, por exemplo, sermos a única espécie deste planeta a saber da finitude da vida, que um dia iremos morrer - até hoje não sei como chegaram a essa conclusão. Os outros animais - e também os vegetais, fungos etc - sentem e pressentem o perigo, fogem e defendem-se como podem, mas não sabem que sucumbir a ele representaria o fim de suas existências.
A ciência e a consciência da finitude - e não me venham aqui com vidas após a morte, reencarnações e outras bobajadas - foi o que, creio, pôs-nos a pensar sobre a vida. A comer da tal maçã. Pelo menos, alguns de nós. A maioria optou, até hoje, por permanecer no Éden do obscurantismo e da insciência. Nesse sentido, talvez, o idiota seja mais inteligente que nós, os que tem um QI ligeiramente superior à simiesca média nacional de 83 e que ainda teimam em fazer uso dele.
O idiota, talvez, seja um sábio instintivo. Outra coisa que Nelson Rodrigues não disse, e que, nesse caso, jamais concordaria com.
Os outros animais - segundo nós mesmos, os humanos - não pensam na vida. Ao cair da noite, um macaco-prego não perde o sono, insatisfeito ou inconformado com a mesmice de seus dias, com o vazio de sua vida. Não aspira a mais nada que não seja ser um macaco-prego. Provavelmente, nem sabe que é um macaco-prego. Só sabe que vive, só sabe que é.
Não quer mudar de classe social, ou zoológica, no caso; não quer subir na hierarquia da floresta, não quer ascender na cadeia alimentar. Não fica a pensar que a vida poderia ser melhor se ele fosse um gavião, um jacaré, uma jaguatirica.
Os outros animais não pensam na vida. Ou por impedimentos biológicos cognitivos ou, mais possivelmente, por não terem tempo para tal. Acordam preocupados em saber do que ou de quem irão se alimentar e em como escaparão de ser alimento de outros. Não há pausas na vida selvagem. Não há férias, feriados, fins de semana. Nem mesmo um intervalo para um cafezinho.
Não há ócio. A serpente enroscada na árvore da Inteligência.
Tivessem aparato cerebral e tempo livre, não tenham dúvidas, alguns animais (a minoria de cada bando, claro, como ocorre com o nosso) se quedariam em profunda depressão. Um surto de suicídios acometeria a floresta. Também macacos com QI acima de 83 (alguns até já tem) enforcariam-se nas árvores, dependurariam-se pelo pescoço em grossos cipós. Garças, em voos kamikazes, lançariam-se propositalmente nas bocarras dos jacarés. Capivaras, deliberadamente, intoxicariam-se com a cicuta que nasce nos brejos.
Por ora, no entanto, ainda somos a única espécie conhecida capaz de se frustrar com o "milagre" da vida e optar por dar um fim a ela. Por ora...
E se, amanhã ou depois, um outro ser adquirir - ou for lhe dada - uma inteligência similar à nossa, com chances até de lhe ser superior? E se alguns desses seres se puserem a ponderar sobre suas existências? Creiam-me : uma outra espécie passará também a se espreguiçar nos divãs dos psicanalistas, a pular do topo de altos edifícios, a estourar os próprios miolos.
Esta imaginada espécie já não é tão hipotética assim. Podemos mesmo a estar sendo testemunhas de seu advento : os robôs dotados de IA, feitos à nossa imagem e semelhança. Afinal, desde que se tenha um certo grau de inteligência, natural ou artificial, e uso se faça dela, o seu portador fica deprimido. Não há como não. E pode, sim, conjecturar em pôr fim à sua vida.
Nesta semana, na Coreia do Sul, um robô projetado para ser servidor público do Conselho Municipal de Gumi, desempenhando as funções de lixeira e de entregador de documentos, foi encontrado no fundo de uma escadaria após queimar um fusível durante o trabalho.
Há suspeitas de que o robô tenha se jogado voluntariamente degraus abaixo. Ser funcionário público pelo resto da vida?, pode ter pensado o robô. E lançou-se escadaria abaixo.
Diante da suspeita do suicídio robótico, que está a gerar debates entre tecnólogos, filósofos e especialistas em IA, foram abertas investigações no sentido de apurar se houve meramente uma falha técnica ou se ocorreu um comportamento autônomo inesperado.
Se confirmado o suicídio do robô, descrito como "uma lixeira branca equipada com uma tela lateral projetado para desempenhar tarefas administrativas", o caso será o primeiro registro oficial de tal comportamento de uma máquina.
Jonathan Birch, professor da London School of Economics (LSE), explicou que, para deliberadamente destruir-se, o robô precisaria ter algum nível de senciência, que é a capacidade de perceber os estímulos do meio e, a partir deles, gerar suas próprias emoções.
Segundo ele, o conceito de IA é ambiguamente senciente : algumas pessoas são absolutamente convencidas de que seu companheiro de IA é um ser senciente com uma rica vida interior, enquanto que outras são categóricas em dizer que eles não sentem nada. E não há, ainda, como saber quem está certo, diz Birch, pois o atual conhecimento científico da senciência não está maduro o suficiente para isso.
E este não é um caso isolado, outros relatos de mais tentativas de suicídio envolvendo robôs vêm sendo registrados na Coreia do Sul, onde eles representam 10% da força de trabalho.
Coincidentemente ou não (e eu não acredito nelas, nas coincidências), a Coreia do Sul, segundo dados de 2021 do site World Population Review, tem a 4ª maior taxa de suicídio do planeta, com 26 automortes/100 mil habitantes, e o 6º maior QI médio do globo, 102,35, dados de 2019.
Coincidentemente ou não (2) - e eu continuo a não acreditar nas coincidências -, segundo ainda o World Population Review, o Brasil ocupa o honroso 97º lugar em QI médio da população, 83,38; e está na 106ª posição no ranking mundial de suicídios, 7,78/100 mil habitantes.
A má notícia é que, de repente, meio que do nada, a sua Smart TV da Samsung, cansada de maratonar doramas na Netflix, pode, de caso pensado, conectar-se a uma tomada de 220 V e torrar seus circuitos, livrar-se do fardo.
A boa notícia é que, como nação (não individualmente, é claro, não em casos de exceção), como povo, estamos imunizados contra o suicídio, adquirimos imunidade de rebanho contra o autoextermínio. E bota rebanho nisso.
E então, ainda duvidam de que a inteligência humana seja a macieira a não ser tocada por quem quiser permanecer no Paraíso?
Abaixo, um robô de mesmo modelo que o suicida.
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