Quando Eu Não Tinha o Olhar Lacrimoso, Que Hoje Eu Trago e Tenho

Verdade seja dita : sempre fui mais depressivo que otimista, mais nuvens chumbo que céu de brigadeiro, mais Alaska que Aruba.
Porém, acreditem ou não (às vezes, nem eu creio), nem sempre tão amargo, desesperançado e misantropo feito hoje. Já fui capaz de frequentar ambientes coletivos - bares, restaurantes, cinemas, mercados - sem me incomodar com a algazarra e a balbúrdia humanas ao derredor.

Já tive - acreditem - muitos amigos, não o milhão ambicionado pelo  Rei Roberto, mas bastante deles. Mais amigas que amigos, na verdade. Sempre gostei mais das conversas femininas que dos assuntos de macho.

Sempre fui muito mais o Saia Justa que o Papo de Segunda, embora, hoje, os dois programas tenham se tornado igualmente insuportáveis, apresentadores(as) de baixíssimos níveis intelectual e cultural, babaquaras a não mais poderem, lacradores(as) escrotos(as), um nojo.

Mas, sim, eu não era esse fel ambulante de hoje. Creio que até já carregasse a tal da "pílula vermelha" ao bolso traseiro da calça, mas ainda não a havia tomado. Um dia, talvez confundindo-a com uma cápsula de Advil, ingeri-a. Aí, fodeu.

E tudo isso porque, há cerca de uns meses, uma das poucas pessoas da época da faculdade (a de Biologia, a terceira em que ingressei e a única que concluí) com quem mantenho contato, ainda que remoto e ocasional, juntou-se à outra, criaram um grupo de whats app para promover o reencontro do povo e me adicionou ao tal grupo.

A Turma da Facu. Confesso que, na primeira vez em que vi o nome e nos subsequentes acessos iniciais a ele, bateu-me uma certa vergonha alheia. Turma da Facu... pãããããta que o pariu!!! Um bando de véios tudo a morar na casa dos cinquenta (eu sou o mais velho deles) ou, os mais novinhos, já à soleira de sua porta a tocar a campainha. Turma da Facu...

Mas também que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado, macaco, carro, tobogã, grupo de whats app, eu acho tudo isso um saco. Devo, no entanto, confessar, dar a mão a torcer e o braço à palmatória : desse grupo, estou gostando.

No começo, parecia ser um grupo fadado à extinção. Poucos integrantes, poucas postagens, formais e raras interações. Então, de uns 15 ou 20 dias para cá, mais e mais egressos do passado começaram a surgir, pessoas que, atualmente, estão em todos os cantos do país, algumas mesmo no exterior, uma verdadeira volta dos mortos-vivos.

E o ambiente ficou animadíssimo. Lembranças de viagens, de festas, de bebedeiras, de salas de aula, de velhos professores, de palhaçadas e presepadas mil. E tão facilmente fluíram as lembranças e as conversas que parecia que tínhamos nos separado na semana passada, não há quase 30 anos. Estão a rolar até intenções e promessas de tentar buscar por uma improvável data em que todos - pelo menos a grande maioria - possamos nos rever pessoalmente.

Alguns postaram várias fotos da época. Na verdade, fotos digitais tiradas de velhas fotos em papel, do tempo do filme fotográfico. Por isso, a qualidade de definição das imagens não está lá essas coisas, mas boa mais que o suficiente para evocar lembranças e saudades. E que saudades, puta que pariu!

A seguir, uma dessas fotos. Uma prova do que eu disse ao início do texto, que até já fui um bicho quase gregário, de bandos pequenos, é claro, mas quase gregário. Um registro do tempo de quando eu não tinha esse olhar lacrimoso, que hoje eu trago e tenho.
 

Estávamos - eu, de camiseta preta - no mitológico Bar do Ali, botequim que ficava na esquina da faculdade e para o qual acorríamos ao fim das aulas das sextas-feiras; às vezes, das das quintas, das das quartas...

O Ali era um árabe - não sei se sírio ou libanês - cuja família imigrou para cá quando ele ainda era uma criança e em torno do qual circulavam várias lendas. Por exemplo, de que ele estivera pessoalmente com o Aiatolá Khomeini e o Muammar Kadafi. Rumores nunca confirmados ou desmentidos por ele.

Num belo dia, o Ali subiu a pé pela rua de seu bar até uma avenida a uns cinco ou seis quarteirões, dirigindo-se a um dos vários bancos alocados nela. Ali atravessou uma das pistas e parou no canteiro central, à espera do semáforo ficar vermelho para os veículos. Neste exato momento, um carro e uma moto colidiram e esta foi lançada aos ares. E aterrissou bem no canteiro central, em cima do Ali.
E tudo acabou para o Ali, ali.
Acabou o Bar do Ali. Que hoje só abre e põe suas mesas nas calçadas da memória.

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1 Comentários

  1. Eu nem procuro mais telefonar, mandar mensagem ou ir na casa de quem já estudou nas mesmas classes das escolas que eu. Não sei o que pensam a meu respeito, isso os que ainda lembram de mim.

    Seria legal reunir alguns para fazer um som, jogar um videogame, assistir um filme, mas o negócio é que são adultos e tem suas (ir)responsabilidades.

    As amizades feitas depois de adultos são diferentes. Não tem as recordações dos acontecimentos juntos na infância e adolescência, mas sejamos sinceros, parte considerável da infância e da adolescência foram tempo perdido pra muitos.

    Esse distanciamento por "falta de tempo" é uma tolice. A pessoa podia falar a verdade. Só quem não tem tempo é quem fez uma viagem sem volta, essa pessoa já não tem direito de escolher nada, o que lhe impuserem como castigo lhe cabe aceitar, em caso de se irritar, só vai piorar as coisas pra ela mesma.

    Amigos não são filhos. Chega um momento que não cabe mais alertá-los que suas decisões vão prejudicá-los.

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