Cerveja-Feira (80)

O brasileiro médio, padrão, festivo e festeiro, o bobo alegre, o brasileiro do carnaval, do funk e do futebol, o do jeitinho, o eternizado nas figuras do Zé Carioca e da Carmen Miranda, enfim, o brasileiro que faz o "L", diz que o brasileiro que não exalta, que não se orgulha, que não se ufana de tão nossos grandiosos valores e qualidades, tem Complexo de Vira-latas.
 
Complexo de Vira-lata é uma expressão cunhada pelo genial Nelson Rodrigues, inicialmente quando da derrota da seleção brasileira de futebol frente à uruguaia, em 1958, episódio que teria abalado a autoestima tupiniquim e, a partir de então, ter levado o brasileiro a considerar melhor tudo o que vem de fora, tudo o que não é "nosso".
 
Mas genial com era, Nelson Rodrigues viu que o Complexo de Vira-lata do brasileiro não era restrito ao campo futebolístico. Disse Nelson Rodrigues : "Por 'complexo de vira-lata', entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima".
 
Pra variar, concordo com o mestre Nelson Rodrigues, sobretudo na última frase : "Eis a verdade : não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima."
 
De fato. Aqueles que, segundo a turminha do oba-oba, sofrem do tal complexo, em verdade, não sofrem de nada. Só de uma clareza de ideias e de uma racionalidade que faz com que enxerguem a realidade, que constatem que estamos mesmo aquém, em vários aspectos, de muitas outras nações, mais desenvolvidas, mais civilizadas.
 
A rigor, somos mesmo um país de vira-latas. Não éramos. Porém, a partir da chegada dos "descobridores" fomos nos tornando um amálgama de inúmeros povos, vindos de todos os confins e rincões do planeta, fomos nos tornando um pastiche indistinto de diferentes tradições, culturas, éticas e morais.
 
Desde então, não adquirimos ainda (e creio que isso nunca acontecerá) uma identidade nacional. Não apenas não desenvolvemos um conjunto de características físicas, uma homogeneidade morfológica que nos tipifique como brasileiros - o que não tem importância alguma ao meu ver -, como também não solidificamos uma unidade específica de cultura, de valores, de aspirações e de feitos, conquistas e realizações coletivos.
Falamos a mesma língua. E só. Não temos um "rosto" que nos distinga de outras nacionalidades.
 
Tanto que, no mercado negro de passaportes, que atende principalmente a criminosos procurados mundialmente, o documento brasileiro é o mais valorizado, uma vez que o brasileiro não tem "cara". Qualquer um que coloque sua foto num passaporte brasileiro não despertará a menor desconfiança ou suspeita de um agente alfandegário, por exemplo. Se o passaporte diz que um dinamarquês é brazuca, tá tudo certo, nos conformes. Um chinês, um indiano, um samoano, um esquimó, um inca venusiano.
 
Nem mesmo nos sentimos como "brasileiros". Nem mesmo somos ou sabemos exatamente o que é ser brasileiro. É extremamente comum vermos o fulano estufar o peito e dizer de seus avós ou bisavós italianos, alemães, portugueses, japoneses, africanos. Ainda nos sentimos vinculados muito mais ao torrão natal de nossos antepassados que ao solo dessa nossa mãe gentil, pátria amada Brasil.
 
Neste aspecto, o de nos faltarem motivos históricos, de civilidade e de real cidadania para termos uma justificada autoestima, somos, sim, um país de vira-latas. A não ser que os já citados, o futebol, o carnaval, a nossa (falsa) cordialidade ("brasileiro é tão bonzinho", já dizia a gostosíssima Kate Lira) e o nosso famoso jeitinho sejam considerados valores dignos - não são; antes, sim, o exato e antagônico oposto disso.
 
Porém, ainda incrédulo, descobri ontem uma peculiaridade brasileira, uma característica nossa da qual posso facilmente me orgulhar. A qual, mareja-me os olhos só de pensar. Descobri-a por acaso, como, muitas vezes, se dão as descobertas relevantes. Desde que, é claro, o observador esteja preparado para reconhecê-la e fisgá-la de dentro do Acaso. 
 
Enfim, uma qualidade brasileira para eu chamar de minha. Para inflar o peito raquítico e anunciá-la em um brado retumbante : somos o país da cerveja boa e barata.
 
Sim, meus amigos bebuns, temos uma das cervejas mais baratas do planeta. Para ser mais exato, temos a décima cerveja mais barata do globo, entre os 195 países incluídos num estudo da Numbeo e da Statista, conduzido em 2022, e divulgado pela plataforma de desconto CupomValido.com.br.
 
O custo médio da cerveja no Brasil foi medido em U$ 1,38, o que representa um valor 66% menor que a média mundial. O volume estabelecido como parâmetro foi o meio litro, 500 ml. 

Na época, portanto, meio litro de cerveja aqui saía, em média, nas capitais brasileiras onde se deu a pesquisa, por coisa de 4 reais. Mas isso foi no governo do ódio. Hoje, no governo do "amor venceu", tá saindo por seis reais e pouco. Com amor é mais caro, benzinho.
 
Na América Latina, só a Colômbia tem cerveja mais barata que a nossa, U$ 1,06. E a cerveja mais barata do mundo é a da Etiópia, U$ 0,75 o meio litro. Ao lado dos países mais hospitaleiros, os mais hostis ao turista, os que praticam preços proibitivos do sacrossanto elixir da longa vida.
 
 
E como cheguei a tal descoberta?
Bom, meu amigo, corno e filósofo Fernandão esteve, ou ainda está, na capital argentina de Buenos Aires. Viajou, especialmente, para participar da Parada do Orgulho Gay portenho, ocorrida em 02/11, reservou até hotel bem na avenida em que se deu o alegre e saltitante desfile.
 
Sempre que ele se lança a suas viagens internacionais, ele me traz umas boas e baratas de presente, para eu colocá-las lá no meu canal no You Tube, As Boas e Baratas do Azarão.
 
Porém, dessa vez, palavras dele, "tá osso, achar cerveja barata na Argentina". As mais baratas que encontrou, com valores já convertidos do peso argentino, foram marcas custando entre sete e oito reais o latão de 473 ml. De fato, estão caras. Aqui, latões de mesmo volume de marcas feito a Lokal, a Crystal, a Kaiser etc são encontrados abaixo dos quatro reais.
 
Disse-lhe que poderia até trazê-las, tomaria-as de bom grado, mas não poderia aproveitá-las para o meu canal no You Tube, pois não eram baratas. Utilizá-las em vídeos faria o programa perder sua essência, o seu propósito; e eu, a minha credibilidade frente aos bebuns inscritos no canal.

Mas não era assim quando estive em Buenos Aires, nos idos de 2008. Lembro que tomei alguns litrões da Quilmes por um preço que equivalia, na época, a uma lata de 350 ml da Skol ou da Brahma no Brasil. Essa carestia só pode ser por conta do governo anterior da Argentina, governo esquerdista que jogou o país na merda e que, agora, Javier Milei está colocando de volta aos eixos.
 
Se bem que desconfio que parte do motivo dele não encontrar cerveja barata por lá seja por pura incompetência em saber procurá-las, em onde garimpá-las. 
Fernandão, desde que o conheci, ele com 17 para 18 anos e eu com 21 para 22, mesmo na quebradeira em que andávamos na época, sempre foi fresco, sempre foi metido a gourmet. Mesmo na pindaíba, nunca se dispôs a treinar e a aguçar seu faro na busca por boas e baratas.
Não seria agora, portanto, que é eminente e próspero empreendedor do agronegócio, que iria saber como encontrá-las.
 
De qualquer forma, os elevados preços portenhos da cerveja despertou minha curiosidade em saber sobre os preços médios da cerveja por esse mundão afora. E descobri, como disse, um louvável motivo para ter a minha autoestima verde e amarela posta nas alturas. E descobri, como disse, uma razão (pelo menos em um setor) para descartar meu Complexo de Vira-lata.
 
Temos uma das gasolinas mais caras do mundo, uma das energias elétricas mais caras do mundo, um dos remédios mais caros do mundo, uma das cargas tributárias mais caras do mundo. Mas numa coisa ninguém me tira o orgulho de ser brasileiro : temos cervejas das mais baratas do mundo.
Agora, é esperar pra ver o que o Fernandão trará para mim em sua bagagem. Se é que trará.

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