Sou péssimo - declaro-me mesmo incapaz - em certas atividades comezinhas fáceis e comuns às mais rastaqueras das gentes.
Não sei dar presentes, por exemplo, não os sei escolher nem para pessoas muito próximas e íntimas, das quais, teoricamente, eu deveria conhecer os gostos e vontades.
Não sei escolher roupas para mim. Não gosto de escolher roupas, de ir a uma loja e enfrentar o tumulto, a conversa do vendedor. Quando vou, entro e saio o mais rápido que posso. Calça jeans e camisetas pretas ou cinza, lisas, sem estampas ou marcas. Se as tenho em outras cores e padronagens, é porque foram compradas e presenteadas pela esposa.
Não sei organizar festinhas ou pequenos encontros - nesse caso, eu até gostaria de saber, de ter disposição para promovê-los. Não tenho ambas as qualidades. Vou aos que os raros amigos organizam e me convidam.
Não sei me decidir por um roteiro ou um destino turístico para uns dias de férias. Viajo - e gosto de ir - pelos pacotes turísticos que a esposa contrata.
Não sei (não gosto, de fato) programar uma pequena saída de casa, de sugerir um bar, restaurante ou lanchonete para passar algumas horas com o filho e a esposa - nas pouquíssimas vezes que me aventuro nesses locais, vou naqueles que a esposa elege. Nunca me senti à vontade em comer e beber em meio a estranhos. Fico zonzo ao tentar conversar em meio àquela cacofonia toda.
Já me disseram que isso é um tipo de desculpa esfarrapada de minha parte, que me declarar péssimo nos exemplos dados, e em alguns outros não citados, é tirar o corpo fora, é eximir-me da obrigação ou da tentativa de fazê-los, é um lavar de mãos. Não é. E se tento, é fracasso, na certa.
Como da vez, há uns 6 ou 7 anos, em que tentei obter a minha CNH, a famosa carta de motorista. Um completo fiasco. No exame teórico, gabaritei as trinta questões. Na prática... que desgraça. Reprovei três vezes e a cada exame eu me saía pior que no anterior. Depois da terceira bomba, desisti. Perdi dinheiro, tempo e só não digo que perdi o restinho de meu ego e autoestima porque nunca os tive..
Mesmo sabedor de minhas incompetências, vez ou outra, não obstante, meto-me a desafiá-las.
Na quinta-feira próxima passada, véspera do feriado de 15 de novembro, uma ideia surgiu-me, do nada : por que, ao fim do meu trabalho, eu não saio com meu filho (hoje com 15 anos) e vamos nos sentar em algum bar ou lanchonete? Só eu e ele.
Nos últimos meses, temos passado mais tempo sozinhos, sem a presença da minha esposa. Por conta do trabalho, ela passa mais da metade da semana em outra cidade e apenas dois dias em casa, em home office. Apesar desse maior tempo sozinhos, cumprimos apenas, pai e filho, com a rotina e as obrigações do dia-a-dia. Ele, com minhas cobranças em relação às suas tarefas escolares e domiciliares e eu, com aporrinhante fase da adolescência - do confronto pelo confronto, do questionamento sem motivos -, com o machinho com pretensões a alfa querendo marcar território.
Sentarmo-nos em, digamos assim, território neutro, poderia ser muito salutar, poderíamos conversar sobre assuntos outros. Isso se ele se dispusesse a falar deles. Quando pequeno, ele conversava de tudo; nesta fase, nem arrancando a fórceps. Mas não custava tentar. Fiz o convite e ele topou.
Fomos a um bar aqui perto de casa, cujo o carro-chefe é um vasto cardápio de espetinhos, onde estivemos, há uns meses, levados por minha esposa - acharam mesmo que eu tinha escolhido o lugar? Como o bar é um espaço pet friendly (pãããããta...), acompanhou-nos a cadelinha Pandora.
Acomodamo-nos, veio o garçon, boa-noite etc e tal e pedi pelo cardápio. - É só apontar a câmera do celular para o QR Code na mesa que o cardápio aparece. E lá estava, numa das quinas da mesa, o tal código.
Celular de quem, cara-pálida? Tenho celular, há cerca de três anos, fui obrigado a adquirir um por questões do trabalho; não fosse por isso, não possuiria um até hoje. Claro que, uma vez de posse do recurso, acabei utilizando-o para outras atividades. Tiro também umas fotos com ele, que muitas vezes aproveito aqui no blog e tenho um bom acervo de músicas armazenado em sua memória, que eu escuto, conectando-o a uma caixinha de som bluetooth, nos fins de noite, quando limpo a casa, quando faço a comida. E, claro, para mandar e receber fotos de mulher pelada dos amigos. Mas só. Não vou além disso.
Quando saio pra qualquer lugar que não seja o trabalho, não o carrego comigo, ele fica em casa, na gaveta, fazendo um detox de gente.
E ainda que eu carregasse o celular comigo, o aparelho não tem nenhum aplicativo de leitura de QR Code instalado. Nunca me interessei no que existe por detrás daquele pixelado todo.
Perguntei ao garçon se não havia mais cardápio de papel. Ele disse que iria ver lá com uma moça e já voltava. Fiquei a observá-lo. Ele foi, voltou, foi, voltou e nada do cardápio. E o barulho das pessoas em volta já começando a disparar o gatilho da minha ansiedade e pânico - inferi, recentemente, que, durante a pandemia, perdi, de fato, todos os meus anticorpos contra gente.
Por fim, uns 15 minutos ou mais passados, talvez, disse que não tinha mais cardápio de papel, mas que resolveria aquilo. Apontou seu próprio celular para o QR Code com a intenção de me mostrar o cardápio em seu aparelho.
Falhou! Tentou três ou quatro vezes e o tal do cardápio não abriu no celular do garçon, que é muito melhor e mais moderno que o meu. Pãããããããta... pensei comigo. Falou que eu aguardasse só mais um pouco, que iria chamar alguém para resolver o imbróglio.
Assim que ele virou as costas, fiz um sinal pro meu filho e picamos a mula de lá. Que apontem os cus deles para o QR Code!!! Que cocem os respectivos briocos com o palito dos espetinhos!!!
Passamos num carrinho de lanches, comprei um X-Tudo pra ele e fomos pra casa. Ele empanturrou-se com o lanche, eu tomei minha cerveja em paz e assistimos a um filme.
Tentei inovar. Mas como eu disse, sou péssimo nisso.
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