Há uma outra cidade
Sobre a cidade em que um dia vivi,
Há pessoas pisando em pessoas
Às quais nunca mais revi,
Há um túmulo fazendo companhia
Ao berço em que nasci.
Há gemidos terminais de dor
Onde havia sua terna voz,
Há poças de lama e não pedras douradas
Em seu caminho para Oz.

Há flores sulfurosas
Onde havia o adocicado jasmim,
Há urubus bebendo néctar,
Expulsando os colibris do seu jardim,
Há seus olhos que não mais me enxergam
Onde antes havia espelhos de mim,
Há doenças  venéreas em seu beijo,
Há cáries malcheirosas em tudo o que vejo,
Há desolação e pesadelo
Onde antes havia desejo.

Há inimigos em família
Onde antes havia o almoço de domingo,
Há cães treinados e medo
Na rua calma onde se brincava sem perigo,
Há vírus e drogas onde havia amor
Correndo pelo cordão que leva ao umbigo.
Há tragédias e desgraças prestes a explodirem
Atrás da cara fresca e barbeada de cada manhã,
Há assassinos embutidos
Em cada pai e mãe.

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5 Comentários

  1. Li e reli e continuo achando muito foda. Mais sete anos de azar na conta só porque não o escrevi.

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    1. Aliás, está na hora da senhora voltar a escrever.

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    2. Sei lá, talvez... Às vezes acho que caduquei ou pereci e do pouco que ficou guardei-o só pra mim.

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  2. Não sei se realmente sente tudo isso que escreveu. Só posso dizer que sinto muito disso, mas não escrevi. Algumas imagens são minha tradução atual. Muito bom!

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    1. Eu não tinha nem 30 anos quando escrevi isso. Acho que ainda sinto grande parte do que está escrito, mas, e é a pior parte, fiquei indiferente, conformei-me, talvez.

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