Pequeno Conto Noturno (71)

Dalila pediu a Rubens para que comprasse um assento com tampa para o vaso sanitário. Causava-lhe gelo nas nádegas ir-se direto à porcelana. 
Rubens saiu de casa - Rubens odeia sair de casa - e foi a uma dessas bodegas "tem-de-tudo-para-seu-lar", estabelecimento antigo perto de sua casa. Vizinho da dita cuja informou que fechara há uns meses. Um escritório de contabilidade no local. Rubens arremessou-se a um desses shoppings da construção - Rubens odeia shoppings mais que tudo, de qualquer tipo, um shopping da cerveja existisse, ele odiaria, um shopping da cerveja com tira-gosto de buceta no cardápio existisse, ainda ele odiaria - e comprou o assento sanitário com tampa. Não sem certa dificuldade de se lembrar da cor de sua privada, quando indagado pelo atendente, para que a tampa não destoasse. Dalila chegou e disse : - mas eu não falei que tinha de ser um assento acolchoado? Dalila nem deu o cu pra Rubens naquela noite. Mesmo assim, dia seguinte, voltou ao shopping para fazer a troca. Pagou pela diferença.
Dalila pediu a Rubens para que comprasse uns vasinhos, umas plantinhas. Arejar a sacada. Espantar o cinza da casa. Fazer parecer que ali mora gente. 
Rubens saiu de casa e arrastou-se a uma floricultura/artigos para casa e jardim. Venderam-lhe lá umas samambaias e umas avencas. Bem como os adubos, os suplementos minerais, os vasos de fibra de coco (em substituição aos antiecológicos xaxins), pratos pra suporte, correntes, parafusos, buchas e ganchos para pendurá-los. Rubens adubou os vasos, montou os pratos com as correntes, furou o teto, botou os ganchos e pendurou as plantas - Rubens odeia qualquer tipo de serviço que envolva habilidades manuais, mexer com terra, parafusar, medir, serrar, instalar. Dalila chegou e disse : - samambaias e avencas nesse sol que bate aqui à tarde? Não tem noção, não? Dalila nem deixou Rubens gozar na sua boca naquela noite. Mesmo assim, dia seguinte, Rubens na floricultura. Explicar o "clima" de sua sacada. Trocar por suculentas e cactos, rosas-do-deserto e patas-de-elefante. Não realizavam trocas, esclareceu-lhe o bichinha de avental de juta com manchas de terras cuidadosamente carimbadas para passar a impressão de um verdadeiro homem da terra. Não trocam?, arriscou-se Rubens. São seres vivos, empertigou-se a bicha, trocá-los, como se fossem mercadorias, feriria suas dignidades. Teria sido já homologado e publicado um Estatuto das Plantas Ornamentais? Rubens preferiu não provocar a bicha, não incorrer na Lei Maria da Benga. Voltou para casa com as samambaias e as avencas. Mais três suculentas, cinco cactos e uma rosa-do-deserto. A pata-de-elefante estava em falta, disse a bicha, mas que "a estariam recebendo em poucos dias". Tal escassez será por causa da caça predatória ao animal?, pensou Rubens, mas, vendo que a paciência da bicha estava no limite, preferiu não perguntar.
Dalila pediu a Rubens para que comprasse arroz integral, sementes de chia e de quinoa. Eliminar as toxinas do dia a dia. Reequilibrar as funções metabólicas. Mens sana e blá-blá-blás. Precavera-se, dessa vez, Dalila. Escreveu num papelzinho o nome da loja - Empório Alecrim -, o endereço e o nome da vendedora. Para Rubens  não ter como errar. Gostosa, a vendedora, pedidos feitos e empacotados, começou : não gostaria de também levar nosso pão caseiro/artesanal/gourmet/integral de grãos de trigo do delta do Nilo? Ou uma penca de nossas bananas-da-terra orgânicas e autossustentáveis cultivadas em assentamentos do MST por famílias que vivem em harmonia e respeito com a terra? Quem sabe nosso mel de abelhas jataí de pólen coletado exclusivamente de lavandas silvestres? Os peitos balouçantes, tamanho médio para grande, livres por debaixo da bata de algodão cru, certamente confeccionada por uma cooperativa de mulheres rendeiras do Vale do Jequitinhonha e com renda revertida para a comunidade, que Rubens adivinhava os mamilos terem o gosto de gergelim torrado, a vendedora não lhe ofereceu.
Pediu muito mais e além, Dalila. Detergente biodegradável, sabonete antibacteriano, bucha vegetal, frigideira antiaderente, travesseiros de viscoelástico, TV de led, que Rubens trocasse o rum pelo vinho, caminhadas três vezes por semana, cortinas para a sala, amaciante para as roupas, pato purific, escova de dentes com limpador de língua, abajur de cabeceira, mesa de centro, tapetes, porta-retratos, quadros para as paredes, velas perfumadas. Pediu mais e além, Dalila.
- Rubens - pediu, finalmente, Dalila -, posso cortar os cabelos do seu pau?
Rubens - que nunca fora Sansão - mandou Dalila à puta que a parira. De malas e cuias.
Pegou a garrafa de rum escondida no maleiro. Botou Hanói-Hanói pra rolar na vitrola. Casa depenada. Sozinho. Pleno.

Postar um comentário

2 Comentários

  1. Olha que de mais a mais desconfio que o Rubens andou ouvindo mesmo foi um sertanejo by Edson e Hudson. E muito bom o texto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Edson e Hudson? Não conheço, e, logo, nem o Rubens.
      https://www.youtube.com/watch?v=sO1phE0qbwg

      Excluir