A Morte do Corvo

"Perdi outrora tantos amigos tão leais! Perderei também este em regressando a aurora?" E o corvo disse : "Nunca mais".
Edgar Alan Poe

Morreu o corvo 
Morreu uma morte magenta
Teve o desplante de morrer antes de mim, ave agourenta
Deixou-me o corvo
Sem ninguém para carregar-me dessa vida de tormenta.
Morreu o corvo
Morreu meu definhado coração e todos os seus plexos
Morreu o corvo
Morreu no espelho embaçado o meu pálido reflexo
Morreu o corvo
Morreram toda a vontade e os gametas em meu sexo.

Morreu o corvo
Morreu o corvo uma morte proscrita
Teve o atrevimento de partir antes de mim, ave maldita
Num vômito de escárnio pelo mundo
Que de sua bocarra desdentada regurgita.
Morreu o corvo a quem minhas córneas foram doadas
Para serem vazadas quando a luz já me estivesse perdida
Morreu o corvo que iria empanturrar-se
Da profusão dos seres inferiores
Em passeio pela minha carcaça semidigerida 
Morreu o corvo que seria o último em meu sepulcro
A dar-me um beijo de despedida.

Morreu o corvo
Morreram todos os meus leucócitos
Estuprados por modernas gerações de bactérias
Morreu o corvo
Morreram todo o vigor e a libido
Estrangulados nas minhas artérias
Morreu o corvo
Morreu todo o meu organismo
Em ostracismo e orgânica miséria.

Morreu o corvo
Morreu o corvo cansado de esperar minh'alma
Para levá-la ao abandono
Morreu o corvo
Antes de envolver-me em suas asas de outono
Morreu o corvo que iria me dar suas penas
Pra eu fazer o travesseiro do meu último sono.

Postar um comentário

0 Comentários