Tanajura Gourmet

Continuo muito puto! Fulo da vida com toda essa "sensibilidade" moderna, com essa verdadeira indústria da viadagem. Sim, existe uma enorme indústria planetária que lucra bilhões vendendo frescura, pedantismo e falsa sofisticação. Tô um brucutu. Um troglodita. Chuck Norris. Charles Bronson. Jair Bolsonaro.
Ontem, mostrei mais uma vez toda a minha estima pela tal arte contemporânea; hoje, o alvo e motivo de minha santa ira é a cozinha gourmet, um dos segmentos da indústria da viadagem que mais cresce no mundo.
Acordo às 5 h da matina. Levanto, espero o pau descer pra eu poder mijar, limpo a areia das gatas e reabasteço suas vasilhas com água e ração, rego uns poucos vasos da sacada (quem pensa que o "nordestino é um forte", devia conhecer as plantas da minha sacada), arrumo a mochila da escola do filho e, finalmente, faço um café forte, ligo a TV e me sento uns minutos para pensar na vida, para amaldiçoar o dia.
Geralmente, deixo em algum telejornal matutino - os mais recentes escândalos políticos, um pouco do mundo cão, os gols da rodada, a previsão do tempo e, quando dou sorte, muita sorte, aparece até a bela Cecília Malan. Mas acontece também de eu assistir, às vezes, a uma parte de um filme, de algum documentário etc.
Hoje, acabei parando num programa de culinária; na verdade, no que me pareceu ser uma série que acompanha e retrata o dia a dia de um chefe de cozinha. No episódio em questão, o protagonista da série foi convidado a elaborar e apresentar novos pratos a uma bancada de outros chefes de cozinha, isso lá no Amazonas, em Manaus. O desafio era a confecção de pratos sofisticados, de nível gastronômico internacional, utilizando-se de ingredientes locais, de carnes, frutos e especiarias amazônicas.
O chefe visitou até uma tribo indígena para pesquisar in loco os ingredientes nativos e decidir quais comporiam seus pratos, quais melhor se encaixariam e harmonizariam com sua culinária, com seu estilo. Tudo encenação! Tudo mise-en-scène. Tudo firula, isso de ingredientes locais, de "sabores da terra".
Na prática, o que é feito é, por exemplo, trocar o salmão pelo pirarucu, o molho de maracujá por banana, e voilá : estão agregados os sabores da terra ao prato, os paladares regionais.
Mas a coisa não parou por aí. O pior ainda viria, a piecè de resistance.
O chefe foi, serviu e submeteu suas criações à apreciação dos outros chefes. Aqueles pratos todos enfeitadinhos - uma folhinha de manjericão da Provença aqui, outra de hortelã da Manchúria acolá, uma pétala de amor-perfeito de Amsterdã no meio - e com porções mínimas, miseráveis do rango em si - um marmitex de faquir.
Os chefes começaram a degustação. Puseram fiapos da pequena porção na boca e passaram a olhar para as câmeras com cara de êxtase, de gozos múltiplos, dando a subentender que estavam imersos em uma miríade de novos sabores, um caleidoscópio de novos aromas e sensações, toda a biodiversidade amazônica contida numa única garfada, toda a exuberância do encontro das águas, uma pororoca de sabores que remetem à nossa ancestralidade, texturas e paladares que evocam as nossas origens silvícolas, até mesmo leves, porém, distintas notas da primeira porra que Cabral derramou sobre uma índia - e olha que Cabral nunca nem foi praquelas bandas de lá.
Mas o que mais agradou a uma das chefes, foi um toque especial do cozinheiro no seu prato de pirarucu com farofa de banana : a encimar a pequena posta do peixe, uma menor ainda formiga, crocante e caramelizada. Uma espécie de formiga (esqueci o nome) consumida comumente por certas tribos.
A chefe foi ao delírio, elogiou a ousada composição do cozinheiro, enalteceu as propriedades gustativas do pequeno artrópode, salientou sua crocância etc etc. É a tanajura gourmet!!!
Ora porra! Primeiro que o índio não come a tal formiga por considerá-la um banquete dos deuses,um manjar de Tupã. Come porque é mais fácil do que pegar numa enxada e fazer lá uma rocinha de mandioca, milho, batata, banana, ou do que caçar uma esquiva capivara, ou um beligerante jacaré-açu.
E segundo que se uma pessoa acha um inseto na salada de um restaurante comum, de um self service, por exemplo, ela dá um puta dum escândalo, arma o maior pampeiro, se recusa a pagar a despesa, chama toda a mídia local, chama o Procon e a Vigilância Sanitária, quer ganhar polpuda indenização, quer fechar o restaurante. Um inseto num prato gourmet, celebra-se a ousadia e a originalidade do cozinheiro e se fartam da exoticidade do inusitado ingrediente.
Aliás, isso do cara querer fechar o restaurante me lembrou de uma piada.

O cara tava lá no restaurante, saboreando seu macarrão ao sugo, quando notou um corpo estranho. Pegou-o, olhou, olhou : um pentelho. Olhou melhor, deu uma cheirada : pentelho de buceta! Chamou o rádio, o jornal, a tv, os Direitos Humanos, a Vigilância Sanitária e a puta que o pariu.
Tantos seriam os gastos do proprietário com multas, indenizações e adequações do estabelecimento que ele não teve outra saída a não ser fechar o seu restaurante. Mas continuou no ramo da comida. Juntando uns últimos caraminguazinhos, raspando suas últimas economias, o ex-dono do restaurante, abriu um puteiro, um zonão.
Passado algum tempo, estava lá o cara a gerenciar a putada quando viu entrar pela porta do bordel o filho da puta que havia fechado seu restaurante. Escondeu-se atrás do balcão para não ser reconhecido por ele e ficou só observando-o. Quando o cara pediu uma puta pra ir pro quarto, o ex-dono do restaurante mandou que a mais peluda delas o acompanhasse, colocou-o aos cuidados da Neide Mata Atlântica, como era conhecida no métier (e no chupiér, também). Mandou-os para um quarto em que havia uma câmera estrategicamente colocada e ficou de olho. 
Quando o sujeito caiu de boca no matagal da Neide Mata Atlântica, ele não aguentou, não se conteve, chutou a porta e irrompeu quarto adentro : - Seu filho da puta, há alguns meses você fechou meu restaurante porque achou a merda de um pentelhinho na macarronada e agora taí com a boca cheia de pelo e se lambuzando todo.
No que o cara, tirando a boca do bucetão e desembaraçando uns pentelhos do meio dos dentes, retrucou : - E se eu achar um fiapo de macarrão nessa buceta, eu mando fechar a zona!!!

O cara tá certo! É a gourmetização da buceta! Pããããããta que o pariu!!!!

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8 Comentários

  1. Ótimo texto. Esses programas são muita comédia, tudo o que é gourmet faz um sucesso. Esses dias teve uma tal de feira gourmet lá na faculdade onde estudo. Puta que pariu! Fui na barraquinha de pastel pedir um de óleo com queijo, na maior ingenuidade, no que o filho da puta do atende me olha com ironia, dizendo que aquilo era um ponto de venda de pastel gourmet!
    Então, me atentando ao cardápio, eis que leio: "sabor 1 - champignion (ou algo parecido com isso), filé, hortelã, canela, e bla bla bla".
    O pior é que tinha pastel de tudo que é sabor, menos de carne, de queijo ou de pizza.
    Pra piorar? Fritados no óleo vegetal.
    Acha que pode ficar ainda pior? Todos custavam entre 10 e 20 reais.

    Esses e outros exemplos são tão recorrentes que quase não me surpreendem. A babaquice dos consumidores é gritante.

    Boa noite azarão, saudoso abraço.

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    1. Pois é, meu caro, essa é a principal ideia do gourmet, cobrar caro de coisas simples, simplesmente dando-lhes novas roupagens.
      Realmente, não ter pastel de queijo é uma grande viadagem.
      E aposto que nem era um japonês quem estava a servir, outra heresia; talvez um afrodescendente, ou uma bichinha, pra coisa ficar politicamente correta de vez?
      abraço

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  2. Fiquei pensando no que aconteceu aqui com o açaí, e claro com alguns outros ingredientes, mas o açaí foi um pouco mais interessante. Hoje pra comprar açaí em plena Amazônia tem que ser branqueado: lavado, filtrado em águas especiais e na temperatura adequada, exigência do Ministério da Saúde e dos restaurantes especializados. O mais famoso, o Point do Açaí, e o nome é marca registrada, serve posta de peixe com açaí, farofa e caldeirada reduzida pela bagatela de uns 200 Temers. Não sei se vem a formiga de brinde, mas que um índio deve ser o chefe não tenho dúvidas.
    "J"

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  3. Em tempo: pra você não dizer que eu tô de sacanagem. Olha a finess do restaurant
    http://www.pointdoacai.net/restaurante.html

    "J"

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  4. Kkkkk, seria a sua revolta pelas viadagens dos pratos ou pelos preços absurdos cobrados por eles?

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    1. Olha, fico puta com tudo mesmo rsrs, mas essa é por vender gelo pra esquimó e ainda dizer que não libera a receita porque é patenteada. Ainda mais que a fila aqui tá enorme rsrssr ;)
      "J"

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    2. na verdade, nem por uma coisa nem por outra; sim por todo esse fingimento, por esses falsos valores atribuídos.

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  5. A pergunta foi para o marreta, que está puto de raiva e, como já é do nosso conhecimento, não gosta de gastar (sempre compra o mais barato, independente da qualidade)

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