O Boldo e o Tamarineiro

Tiveste, tu, Augusto,
Teu tamarineiro univitelínico,
Irmão de mesma ama de leite,
Companheiro na solidão da placenta 
E na da vida, depois,
Escudeiro que nunca te negou um galho amigo
- e tantas e tão sortidas e de tantas cores eram tuas dores, Augusto -
E sob cujas fronde e sombra
Descansaste o teu mirrado
O teu desassossego
E tua esquálida aridez.
Tiveste, tu, Augusto,
Teu tamarineiro xifópago,
Nascido grudado a ti pelo tormento,
Meeiro de teu coração aflito e de tua alma angustiada,
Ao qual,
Quando abatido pelo ressequimento,
Pela fuga da seiva
E das aves que se lhe pousavam e aninhavam em algazarra,
Que o faziam parecer mais alegre
(Tu, Augusto, nunca tiveste aves a te pousarem, nem a coruja de Atena, nem o corvo de Poe, nem o assum preto do Gonzaga),
Tu prestate
- Solitário, velaste -
As tuas despedidas.
Agradeceste-lhe a sombra,
Os conselhos,
As bagas agridoces.
E jogando-lhe a última pá de cal,
Disseste-lhe :
É a podridão, meu velho.

Sou homem de muito menos posses que ti, Augusto,
Materiais e, menos ainda, literárias.
Não nasci no espaço amplo de uma fazenda,
Sim em ventre de apartamento,
Em útero miomático de uma sacada,
Que só pode me arrumar como irmão adotivo
Um pé de boldo.
Que nunca me deu sua sombra,
Pois não a fabrica em quantidade que baste nem para seu próprio alívio.
Nunca sua sabedoria,
Pois é mato sem fronde nem berço, feito eu,
Banido do Conselho dos Centenários Anciões do Reino Vegetal.
Que nunca me ofertou banquete
Nem ao menos um piquenique com seus frutos,
Pois os produz secos, sem substância,
Estéreis.
Não obstante seus parcos recursos,
Fez bastante por mim.
Por vezes,
Em minhas ressacas,
Quando a alma me fugia pelo vômito,
Transfundia migalha de seu sangue para o meu,
Reabastecia com seu fel o meu combalido fígado.
Nessas ocasiões,
Ficávamos os dois,
Eu e o pé de boldo,
A nos olhar.
E apiedado
Da minha falta de talento,
Compungido pela folha em branco à minha frente,
Pela impotência da minha caneta
E pela minha incapacidade de torná-lo em meu tamarineiro,
Ele quebrava o silêncio
E dizia :
É a amargura, meu velho.

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