Elemento J, esse Injustiçado

Um elemento químico recém-nascido não é igual a filho de pobre, de eleitor do PT, de beneficiário do bolsa família. O suposto ou alegado pai não pode simplesmente chegar no cartório da IUPAC e registrar o rebento com qualquer nome, como bem lhe aprouver. Não pode chamar de Uéslei, de Maquissuel, de Máicon, de Valdisney, de Uóxinton, de Ketelen, de Géssica, de Keiti etc etc. Não pode "homenagear" a parentada e misturar nome de avô com tio, de tia com bisavó, dando origem a, por exemplos, Marcivânia, Claudienepaula, Vandercleidiane, Roneicláudio etc.
Nada disso. Nome de elemento químico é coisa séria. Aos da genealogia de Mendeleiev, é imperativo um batismo cheio de pompas e circunstâncias, de cerimoniais e protocolos. Há regras bem definidas para que o cientista dê nome a um novo integrante da Tabela Periódica. O nome do novo elemento deve ser inspirado e/ou fazer referência a :

– um personagem ou conceito mitológico : Hélio (o deus-sol grego), Neptúnio (deus dos mares), Plutônio (deus dos mortos e do mundo subterrâneo);
– um mineral ou substância similar : Berílio, Silício, Ferro, Cobre;
– um local ou região geográfica : Polônio, Amerício, Califórnio, Frâncio;
– propriedade do elemento : Rádio, Fósforo, Neón;
– um cientista : Mendelévio, Rutherfórdio, Einstênio.

Se não me falha a falha memória, quando tive meus primeiros contatos com a disciplina de Química, isso lá em 1980 ou 1981, a Tabela Periódica contava com uns 102 ou 103 elementos. A sétima fila, ou sétimo período, prevista por Dmitri Mendeleiev, o Pai da Tabela Periódica Moderna, e corroborada pelo diagrama de Linus Pauling, estava incompleta, à espera de que seus elementos perdidos fossem encontrados. E é como dizem por aí : a fila da Ciência anda. Um a um, os elementos faltantes foram sendo criados, e a fila tanto andou que acabou, que chegou ao seu fim. Não há mais vagas para átomos desempregados no concorrido mercado da Química. Quem entrou, entrou, quem não entrou, não entra mais.
Os quatro elementos que completaram o sétimo período são os de números atômicos 113, 115, 117 e 118, batizados, no início desse mês, de, respectivamente, nihonium (Nh), moscovium (Mc), tennessine (Ts) e oganesson (Og).
Ou seja, foi-se aos quatro ventos a última chance da letra "J", a única letra a não figurar no álbum da família Mendeleiev.
Correm boatos de que "J", ao saber dos nomes dos novos elementos químicos e ver frustrada sua última esperança, tentou fundar os MST, o Movimento dos Sem Tabela, organizar invasões, ocupações e assentamentos em orbitais improdutivos, mas como era a única integrante, o movimento não vingou. 
Dizem ainda que ela tentou recorrer à CUT, a Central Única dos Tabelados, mas como nunca fora afiliada e jamais tinha pago a contribuição sindical, pois sempre sobreviveu de bicos, na economia informal, foi recebida pela entidade com ouvidos moucos.
Tentou ainda, segundo os átomos fofoqueiros e maledicentes de plantão, recorrer ao STQ, o Supremo Tribunal da Química. Tentou se fazer de vítima, dizer-se injustiçada e excluída desde os tempos de Demócrito, o grego, tentou pleitear seu ingresso na Tabela Periódica via sistema de cotas. Recurso indeferido. Que, no mundo subatômico, não há essa balela, essa conversa para boi dormir de dívida histórica para com modelos atômicos ultrapassados e superados, não há falsa condescendência para com as minorias de Dalton, de Thompson ou de Rutherford.
"J" tentou ainda, já em desespero de causa, propor uma reforma ortográfica na Tabela Periódica. A letra "G", por exemplo, aparece pra caralho na Tabela, é praticamente uma latifundiária atômica : Gálio (Ga), Germânio (Ge), Gadolínio (Gd), Mercúrio (Hg), Prata (Ag), entre outros. Por que não reformar a ortografia e passar a grafar Jermânio, símbolo Je? Petição negada. Que a Academia Linus Pauling de Letras não nutre nenhuma simpatia para com neologismos, estrangeirismos, gírias e modernices em geral.
Paciência, "J", paciência. Paciência, "J", ainda não foi dessa vez. Quem sabe em uma outra dimensão atômica, em um outro universo pararelo... quem sabe em um outro Big Bang.

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7 Comentários

  1. O seu marreta voltou. Foi dar uma passeada na Europa e nos presenteou com esse texto quimico. Não é a toa que é professor dessa área.
    E esse mundo atômico, muito difícil de entender. Obrigado professor, saudades da sua bunda murcha.

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    1. rapaz, que putaria é essa de saudades de minha bunda murcha? e da minha rola ereta, pujante e intumescida, ninguém fala?

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  2. Rapaz, esse texto ficou bom pra caralho, ri muito com as organizações e movimentos internacionais. Esse texto é um dos grandes momentos do excelente humor do Marreta. JB

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  3. É foda ser foda, é tanta fodalidade que a gente acaba se fodendo todo rsrs. Parece que o elemento Jota vai continuar avulso nas sombras sem ter ou saber o seu lugar. Foda, "J", foda. Muito bom o texto.

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  4. Para esclarecer de vez esse assunto, transcrevo um diálogo entre dois cientistas de renome mundial que registrei:
    - Essa é muuuito importante: sabia que a letra J não aparece em nenhum lugar da tabela periódica dos elementos?
    - Fala sério! Esse é um assunto em que eu preferia nem tocar, mas que a verdade seja finalmente conhecida. A elevada modéstia me fez sugerir que o elemento químico conhecido como Jotabelium, de número atômico 104,5 não fosse incluído na Tabela Periódica.

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