Marchinhas do Azarão (III)

Vinicius de Moraes compôs belíssimas marchinhas de carnaval; Chico Buarque também nos legou as suas; até o mano Caetano, embora tenha se engraçado mais para o lado do frevo, já alegrou muitos carnavais. Mas, agora, falando sério e deixando de lado (momentaneamente) a faceta satírica, debochada e de duplo sentido das marchinhas, e deixando transparecer o lado sensível do Azarão, sem ironia nem sacanagem nenhuma, nem Vinicius nem Chico nem Caetano conseguiram superar Adoniran Barbosa e a sua doce Vila Esperança.
Para mim, Vila Esperança é a canção mais bonita e dolente sobre carnaval já composta até hoje. Ouvi-a inúmeras vezes, e, sem exceção, arrepio-me a cada nova audição. Arrepio mesmo, de eriçar os pelos do braço feito gato. A temática é das mais banais do carnaval, o cara conhece a mulher no baile, se apaixona e tal e tudo termina nas cinzas da quarta-feira. Mas Adoniran foi de tal forma feliz em sua poesia, na combinação das palavras, em suas rimas, que, sem exagero, teria deixado o poetinha Vinicius roxo de inveja. 
Eu arrepio na parte : O carnaval passou, levou a minha rosa, levou minha esperança, levou o amor criança levou minha Maria, levou minha alegria, levou a fantasia, só deixou uma lembrança. Pãããta que o pariu!!! Levar a nossa rosa, tudo bem, jardins há aos montes; levar o amor criança, muitas vezes um amor maduro é muito melhor; levou a Maria, que se foda, Maria se acha aos montes; levou a alegria, puta sentimento superestimado, a alegria. Agora, quando ele diz que levou embora a fantasia, aí é foda, aí é pra desmontar qualquer macho das antigas. Sem fantasia, o rei fica nu, sem fantasia, o homem capitula. Levou a fantasia, é transformar o sujeito no Pierrot do Manuel Bandeira : Da veste branca/A larga túnica/Por fim arranca/A rosa púnica/Em um soluço/E parecia,/Jogando ao chão/A flor sombria,/Que o coração/Ele arrancara!... 
E o que o ingrato carnaval deixou em troca da fantasia? Só uma lembrança... e como dói a porra de uma lembrança.
Vila Esperança
(Adoniran Barbosa)
Vila Esperança, foi lá que eu passei
O meu primeiro carnaval
Vila Esperança, foi lá que eu conheci
Maria Rosa, meu primeiro amor

Como fui feliz, naquele fevereiro
Pois tudo para mim era primeiro
Primeira rosa, primeira esperança
Primeiro carnaval, primeiro amor criança

Numa volta no salão ela me olhou
Eu envolvi seu corpo em serpentina
E tive a alegria que tem todo Pierrô
Ao ver que descobriu sua Colombina

O carnaval passou, levou a minha rosa
Levou minha esperança, levou o amor criança
Levou minha Maria, levou minha alegria
Levou a fantasia, só deixou uma lembrança.


Para ouvir Vila Esperança, e essa merece ser ouvida com atenção, com reverência, à meia luz, ao fim da noite, quando a casa inteira estiver a dormir, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO 
 O palhaço triste Adoniran Barbosa

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2 Comentários

  1. E qual a diferença entre uma lembrança e uma fantasia? "Louco é o homem que perdeu tudo menos a razão." É como diz o Luiz Bonfá não haverá de preocupar, meu amigo,
    "se a fantasia se perder, eu compro outra".

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    Respostas
    1. compra-se outra ilusão, a toda hora, a todo momento...
      fantasia é outra história...

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