O Deus-Hambúrguer-de-Minhoca

"A Igreja é a casa de Deus, é a morada do Senhor." 
Tive mais contato com religiosos - padres e fiéis - do que gostaria de. Como aluno, estudei por 3 anos em colégio de padres e como professor, lecionei para muitos meninos seminaristas, que, antes de ingressarem no seminário maior, iniciarem seus estudos em teologia e filosofia, precisavam terminar seus colegiais em escolas comuns, o que me levava a ter contato, nas reuniões de pais e mestres, com os padres responsáveis pelos menores aos seus cuidados.
E na boca deles, a tal casa do Senhor era o clichê dos clichês, o chavão-mestre dos chavões. Algumas vezes, inclusive, fui convidado a fazer uma visita à casa do Senhor, como alguém que convida um vampiro para se sentar às suas mesas. Incautos, bem-intencionados e sortudos religiosos... parece mesmo que a sorte favorece os descuidados : nunca lhes aceitei os convites, não me interesso pelo sangue eclesiástico, muito menos pelo de Cristo.
Supondo a absurda existência de deus, a sua casa, a casa do criador, gerenciador e mantenedor do Universo, não poderia ser outra que não o imenso, embora finito, não obstante em constante expansão, Universo. Cada átomo de hidrogênio, cada grão de poeira cósmica, cada cauda de cometa, cada buraco negro, cada embrião de galáxia, cada estrela natimorta seriam a casa do Senhor, a toca, o abrigo, o ninho de deus.
Trancafiá-lo em um claustro de engenharia humana? Reduzir-lhe a pagador de IPTU? Fazê-lo cativo de quatro paredes de cal, argamassa e tijolos, decoradas por santos ensanguentados vestidos de púrpura e de culpa, e encimadas por um sino de bronze a anunciar que a hora de visitação a um deus feito em atração de circo chegou?
Imputar uma casa física a deus é a tentativa de torná-lo, literalmente, em uma dona de casa, de colocá-lo à disposição e à servidão de um marido truculento e machista - o ser humano - que só recorre à esposa para satisfazer as próprias necessidades; é botar deus numa garrafa de gênio e deixá-lo à mercê de seus três desejos. Contemplar deus no sorteio do Minha Casa, Minha Vida é reduzir demais a importância do Todo-Poderoso. Melhor não acreditar no dito cujo do que diminui-lo assim.
As Igrejas não são as casas do Senhor. São franquias de deus. McDonalds da fé. De mesma praticidade das referidas lanchonetes, as igrejas; feitas sob medida para quem não quer preparar a própria comida, definir o cardápio, pensar sobre os ingredientes, sair à compra deles, selecioná-los, limpá-los, condimentá-los, dosá-los à suas corretas proporções, pô-los a marinar, a pegar o tempero, proceder a lento e parcimonioso cozimento e, finalmente, degustar cada garfada, com calma e em silêncio, tentando reconhecer no produto acabado cada componente formador, ponderando se o resultado foi o esperado, no que ele poderia ser mudado, melhorado.
As Igrejas são os fast foods de deus. Os drive-thrus da fé. Pegam deus, acrescem-lhe mitologias difusas e vãs filosofias e põem tudo no moedor de carne. O resultado é uma maçaroca disforme, de má aparência e, no mais das vezes, fedorenta, sabendo a sebo e a decomposição. Acrescentam-lhe corantes, aromatizantes, conservantes, prensam-no em discos, acondicionam-no em embalagens coloridas e brilhantes e está pronto o hambúrguer de deus. Repito, de mesma praticidade que o do McDonalds, e tão insípido, insosso e sem substância quanto ele.
E, feito também o do McDonald, o hambúrguer de deus não é um hambúrguer de verdade, não corresponde ao anúncio que se faz dele. 
O verdadeiro hambúrguer de carne vem de verdejantes pastos, de portentosos animais, de nobres carnes bovinas; o do McDonalds, reza uma lenda urbana, vem em parte de lugares mais subterrâneos, tem boa proporção de carne de minhoca, de minhocuçu.
O verdadeiro hambúrguer de deus, supondo de novo a absurda existência Dele, seria encontrado na contemplação e admiração dos supostos feitos e obras divinos, na observação reverente da Natureza e de suas forças, de seu intrincado equilíbrio e funcionamento. E não na consumição em culpa e remorso, não na purgação pelo sofrimento e privação, não no temor, nos joelhos dobrados e na cabeça baixa frente ao hipoteticamente divino, ou seja : nunca dentro de uma Igreja, de um McDonalds. É o deus-hambúrguer-de-minhoca.
Por preguiça e mais ainda por burrice, que todos empurram para debaixo dos tapetes, que todos disfarçam sob a máscara da "falta de tempo", continuam comprando gato por lebre, minhoca por boi, igreja por deus, e deus por salvação.

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5 Comentários

  1. Marreta,
    Embora católico, achei muito bom o seu texto. Como não sou fundamentalista, fico tranquilo com o que escreve. Gostei demais da expressão "observação reverente da Natureza". Mas não tenho grilo com a "casa de Deus". Para mim, é um lugar de reflexão e recolhimento, de interiorização. Esse negócio de microfones e milagres prefiro deixar para os evangélicos e para os que faturam (alto) com isso. Meu pai contava um caso delicioso acontecido no distrito onde nasceu. Naquela época, o bordel era também um lugar onde se jogava carteado a valer. Um dos jogadores profissionais resolveu pregar a "salvação" para as putas durante o dia (que a noite, afinal, era dedicada ao "ganha-pau").
    De posse de uma Bíblia ensebada e meio desmanchada (creio que isso saiu da imaginação de meu pai), mandava ver nos ensinamentos. De vez em quando, soltava um "aleluia, aleluia". A meninada ao perceber aquele movimento, juntou-se na porta da zona e, a cada "aleluia, aleluia", gritava "peixe no prato, farinha na cuia".
    O "pastor" começou a ficar puto com aquilo e acabou saindo, empunhando um canivete, que passava na palma da mão como se quisesse amolar. E o desfecho é que é hilário: enquanto olhava a meninada à sua frente, soltou: "Isso aqui (o puteiro!) é a casa de Deus, ouviram, seus filhos da puta?". A meninada dispersou-se a mil por hora.

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    1. Genial!!! Seu pai (ainda é vivo?) deve (ia) ser um excelente contador de histórias. Adorei o ganha-pau. E chamar a meninada em frente ao puteiro de filhos da puta é de uma inspiração que só pode vir de... deus

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    2. Infelizmente, meu já morreu (e eu tenho uma dificuldade "freudiana" de me lembrar da data). Sim, ele era um ótimo contador de histórias. Já postei alguns dos casos que ele contava. Caso se interesse, o endereço é
      http://blogsoncrusoe.blogspot.com.br/2014/11/coisas-de-oratorios.html
      Quanto ao "ganha-pau", modestamente devo dizer que é um trocadilho Jotabê.
      Mudando de assunto: Quando faço algum comentário sobre seus posts, depois dou uma monitorada para ver sua resposta a ele. O post do rum me deixou estupefato, pois percebi que o Marreta é um fenômeno da internet! Diria mesmo que você é o Paulo Coelho dos blogs (não se ofenda, é uma avaliação apenas quantitativa, não qualitativa), pois você conseguiu mais comentários (lembrando que a maioria continua silenciosa) do que o Blogson consegue de visualizações. É verdade que alguns comentários são bem estranhos, como aquele do “padeiro inexperiente” (que vive queimando a rosca). Sem contar o “muro das lamentações”. Impressionante!

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  2. Mestre, acaba de discorrer simplesmente em sua essência o que a própria Bíblia, o Livro Sagrado revela. Ao dizer que Deus não se encaixa em apenas um quadrado cimentado, estás certo, visto que, as próprias sagradas Escrituras dizem isso.
    Tem de se separar o Cristianismo, pois cristão, é aquele que acredita em Cristo, O Nazareno, e até os muçulmanos creem em sua existência, só não o consideram como o profeta-mor, mas creem em sua existência.
    A doutrina regrada puramente na Bíblia converge ao que dizes.
    Claro, não se refere como a hambúrgueres, ou Mc Donalds divino, porque não existia na época, mas em essência, se trata da mesma coisa.
    Ou seja, nem tudo o que se diz evangélico, na verdade é. Ou achas que uma "igreja" que carrega um nome como "Bola de Neve" é a casa de Jeová?
    Ou outra que pregam a Teologia da Prosperidades, como a Mundial, e a Universal o fazem?
    Há muito e muitos... É essencial diferenciá-las.
    Abraços

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  3. Pois, Bola de Neve é foda, mesmo. Obrigado pelo atencioso comentário.
    abraço

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