Imagino

Tenho sementes de uma pimenta preta
A secar num prato sobre o micro-ondas.
Surrupiei a negra pimenta
Nunca antes vista por mim
Parece uma pequena e mal-humorada berinjela
Com sérias intenções de plantá-la
De um jardim desvigiado
Em minha última viagem.
Sempre que esquento minha ração no micro-ondas
Olho para elas.
E as imagino já plantadas e nascidas
Em vasos suspensos na minha sacada.
Suas folhas roxas a ofuscar o crepúsculo
Seu suor pungente a flagelar narizes.
Mas só imagino.

Tenho uns 18 livros
Abandonados no armário embutido do corredor
- a biblioteca mais dessistematizada do mundo -
À espera de serem cheirados
Acarinhados, postos no colo.
Imagino-me lendo-os
À sombra do tamarindo de Augusto dos Anjos
Dos carnavais do Bandeira
Dos escarros sanguíneos de Álvares de Azevedo
Das ressacas de Bukowski.
Mas só imagino.

Tenho uma caixa de sapatos
Cheia de CDs
Pra mais de duzentos
- Todos baixados da net, sequestrados dessa dimensão paralela -
Dispostos feito bilhetes da sorte em gaveta de realejo.
Imagino-me periquito desse realejo
A pinçar um CD aqui, outro acolá
A beber seus acordes e suas letras
Ouvindo um grande caneco de cerveja
A descobrir novidades em antigos intérpretes
E tumbas e museus preservados nos novos compositores.
Mas só imagino.

E mesmo imaginar
Já tem me sido tão cansativo.

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