Vou-me Embora Pro Uruguai (Ou : Pasárgada é Logo Ali)

Sempre tive uma simpatia geográfica pelo Uruguai. Explico : nas aulas de geografia física da América do Sul, eu ficava olhando o Uruguai lá embaixo, colado, suturado ao Rio Grande do Sul, parecia-me um outro estado do Brasil. Mas ainda que geminado ao Brasil, a sua identidade não poderia nos ser mais diferente. Sorte deles. Eu tinha, ainda, uma simpatia gramatical pelo Uruguai, uma das poucas palavras de nosso idioma em que ocorre um encontro vocálico triplo, o tritongo. Tritongo... bonito pra caralho, né?
Essa simpatia infantil pelo Uruguai, praticamente instintiva, vem cada vez mais se confirmando e se afirmando frente às recentes conquistas e melhorias ocorridas naquele país.
O Uruguai, hoje, é considerado o país mais democrático da América do Sul - e nós, aqui, nessa ditadura braba do PT, que está conseguindo instalar, por via da lei, a ditadura do proletariado, com a qual sonha desde a década de 1960.
Em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Uruguai ocupa a 51ª posição entre 187 países, é o terceiro da América do Sul (perde para Chile e Argentina);  o Brasil é o 85º do mundo e o 7º colocado na América do Sul.
Quando o assunto é educação, nível de escolaridade, aí é que a coisa desanda pra valer, aí é que qualquer paralelo entorta, enviesa de vez. No ranking da educação elaborado pelo PISA e pela Unesco, que analisou 127 países no ano de 2012, o Uruguai ocupa a 36ª posição geral, ou a primeira entre os países sul-americanos, seguido pela Argentina, na 38ª, e pelo Chile, na 49ª posição geral. No mesmo ranking, o Brasil ocupa a nada honrosa 88ª colocação, o penúltimo da América do Sul, só "ganhamos" do Suriname.
Esses dados sobre o Uruguai são de nos fazer inveja, ou melhor, são de nos fazer passar vergonha, mas não são novidade, eu já tinha ciência deles há algum tempo.
Agora, chega até a mim um novo dado sobre o Uruguai, para aumentar ainda mais a minha inveja, aquela inveja boa, a inveja que nos faz querer ser igual, não a má inveja, aquela que deseja a ruína do outro. 
O instituto chileno de pesquisas Latinobarómetro detectou que o Uruguai lidera o avanço da secularização na América Latina. Secularização é o processo de distanciamento de uma sociedade das suas religiões, as quais perdem, gradativamente, as suas influências sobre as variadas esferas da vida social. As igrejas perdem seu prestígio junto à sociedade, o que acarreta na diminuição de seus membros e de suas práticas, na diminuição da sua riqueza, e, por fim, na desvalorização das crenças e nos valores a elas associados. Ou seja, a secularização é quando uma sociedade atinge a sua maturidade e põe para escanteio deuses inexistentes, padres, pastores e outros que tais.
Entre 1995 e 2013, o secularismo acelerou o seu ritmo no Uruguai. O número de ateus, agnósticos e sem religião subiu de 18% da população, em 1996, para 38%, em 2013. No mesmo período, a população de católicos caiu de 60% para 41%.
Que beleza, esse Uruguai, 38% de não religiosos!!! No Brasil, mal chegamos aos modestos e tímidos 7 pontos percentuais.
Como eu disse, um dado novo para mim, a exponencial secularização do Uruguai. Novo, porém, não surpreendente. Consequência das mais previsíveis, das mais lógicas, inclusive, a secularização do Uruguai.
A fé e as religiões montam bons e sólidos acampamentos nas clareiras abertas pela ignorância, pela imaturidade de querer sempre um "pai" a lhe conduzir pela mão, pela inação frente ao mundo real, muitas vezes causada pela falta de elementos a partir dos quais pensar sobre e lidar com a realidade e, lógico, por uma boa parcela de preguiça - é mais fácil se ajoelhar e rezar por um milagre do que trabalhar e estudar duro.
Pois uma boa educação guarnece a pessoa dos elementos básicos - formativos e informativos - que a tornam capaz de ponderar sobre o mundo ao seu redor, interagir e reagir a ele. De posse dos rudimentos das principais áreas do conhecimento, o sujeito, aos poucos, desvencilha-se da concepção fantástica do universo e de sua própria existência, verifica a estupidez do pensamento mágico, segundo o qual tudo acontece, ou deixa de acontecer, por obra, vontade e permisssão de um ser supremo. E, ao constatar a estupidez de tal (falta de) visão, abandona-a, rejeita-a.
Não por coincidência, o Chile, terceiro lugar em IDH e segundo em educação da América do Sul, é o vice-campeão da secularização. Cultura e conhecimento aniquilam as religiões.
Não é à toa que, ao bom e fiel cristão, um único livro é recomendado, a nefasta Bíblia Sagrada. Pois qualquer outro que ele se pusesse a ler, com um pouco de atenção, faria com que visse a Bíblia como o que realmente ela é : um simples livro, uma obra literária conjunta, uma coletânea de contos e autores. Nada além.
Não é à toa que os religiosos vivem tentando se infiltrar, lobos em pele de cordeiros (de deus), nas escolas; vivem tentando inserir o ensino religioso no currículo das escolas públicas. O que tem de cristão mal-intencionado, sobretudo evangélicos que ocupam cargos legislativos, querendo aprovar leis que obriguem a entrada de deus nas escolas, não tá escrito em gibi nenhum. Não tá escrito nem na Bíblia.
Acreditem, se ainda pudessem, os cristãos continuariam a queimar livros em suas fogueiras santas e, de preferência, junto com quem os escreveu. Para muito padre e pastor evangélico por aí, deve ser difícil conter os ímpetos pirotécnicos ao passar defronte uma livraria, ou pior, provação das provações, em frente à  biblioteca de uma Universidade, aí é só por deus.
A relação é clara e direta : forneça a uma nação as condições mínimas e básicas de trabalho, segurança, saúde e educação e ela se fará crescer por si, porá as mãos à obra, não ficará mais à espera de um milagre. Mandará a religião às picas, ou seja, para o seu devido lugar.
Exagero meu? Pegação no pé das religiões?
Vejamos outros exemplos. Tomemos os campeões planetários da qualidade de vida, os hors concours do IDH, a Noruega e a Suécia. 
Noruega : 1º em IDH, 3º em educação, 72% de ateus e agnósticos; Suécia : 7º em IDH e 9º em educação, 85% de ateus e agnósticos. Pããããta que o pariu!!! 85% da população formados por seres pensantes... a Suécia é o éden, é o paraíso na Terra.
Por isso, em minha opinião, não apenas os índices positivos de desenvolvimento - renda per capita, nível de escolaridade, expectativa de vida - deveriam ser usados para a classificação das nações. Os índices positivos são o óbvio, são o que fazem o país funcionar. Deveriam ser estabelecidos e considerados também os índices negativos ao desenvolvimento, os que fazem emperrar a máquina. Entre esses, deveria constar, com toda certeza, a religiosidade de um povo : acima de uma certa porcentagem da população que se declarasse religiosa, pontos do IDH desse país deveriam ser subtraídos. Muitos pontos.
A religião não é resposta para nada. É a ausência das perguntas.
Se o ser humano, um dia, quiser realmente honrar e fazer valer a autoatribuída designação Homo Sapiens, extirpar o cancro das religiões de suas sociedades terá que figurar entre suas primeiras providências.
Alguns povos já se aperceberam disso. Outros... se aprazem, satisfazem-se, regozijam-se em sediar copas do mundo de futebol.

Postar um comentário

5 Comentários

  1. "A religião não é resposta para nada. É a ausência das perguntas."

    Sem mais...

    ResponderExcluir
  2. Raro este compacto seu...da Blitz. Eu me lembro como se fosse hoje, naquela loja da Avenida da Saudade. Eu cheguei a pegar um nas mãos mas...acabei deixando. Cuide bem dele, sem dúvida que é valioso!

    ResponderExcluir
  3. Azarão, a expressão "eu vou para Pasargada" - ou Parsagada - tem uma origem curiosa. Alexandre, dito o Grande, conquistou os Persas. No caso, Parsagada significa isso mesmo : parsa - parse - persa. Embora o rei Dario tivesse seu palácio em Issus, a "capital" da Pérsia - ou dos filhos de Perseu - era Parsagada.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Interessante mesmo. O termo Pasárgada, usado por Bandeira, pode ser, então, considerado errado?

      Excluir