Sobre Deusas e Putas

A suprema cúpula da mitologia grega se compunha de 12 deuses maiores - Zeus, Hera, Atena, Apolo, Afrodite, Ares, Dionísio, Hefesto, Deméter, Poseidon, Artêmis, e um outro que não me lembro nem a pau agora - e de uma infinidade de deuses menores, divindades do baixo escalão.
O que faz com que, dentro de uma mesma mitologia, alguns deuses sejam maiores que outros? Deuses representam os valores morais apregoados, defendidos e, principalmente, praticados por um povo. Quanto maior a importância dada a um valor moral, mais alta a posição ocupada no panteão pelo deus que o representa.
Zeus representava o poder supremo, a justiça inquestionável; Hera, o matrimônio, o parto e a família (Hera não tinha a menor vaidade, Hera é que era a mulher de verdade); Atena, a sabedoria; Afrodite, a beleza e o sexo; Apolo, a luz, as artes e a medicina; Dionísio, o vinho, as festas, a putaria (que ninguém é de ferro); e a coisa por aí vai.
Cada deus maior simboliza um item de um contrato social, um pilar da sustentação e da organização da civilização que os venera. Quando uma civilização entra em derrocada, desmoronam igualmente os seus deuses. E, ao contrário do que se possa supor, os maiores e mais poderosos tombam primeiro, seus templos são os primeiros a serem convertidos em tumbas.
É natural que assim seja : se uma civilização rui, é porque seus valores fundamentais foram desprezados, relegados a planos menores, implodidos. À queda dos valores maiores, dos deuses grandões, sobrevivem os valores menores, os deuses pequenos, covardes e oportunistas.
Deuses grandes só sobrevivem em épocas de grandes homens; em épocas de homens diminutos e mesquinhos, as subcelebridades divinas é que se espraiam, que fazem a festa; em tempos de homens diminutos, qualquer um pode ser deus.
Ocupar o topo do panteão só é vantajoso no auge da civilização que o criou. Em tempos de vacas magras, melhor ser pequeno. Em tempos de vacas magras, os grandes deuses sucumbem, deixam-se sucumbir, por tédio, por fastio, por indiferença mesmo. O verdadeiramente grande não se apraz em ser adorado por formigas, prefere morrer, sumir de cena.
Assim, Zeus, Hera, Hermes (lembrei-me dele agora, é o 12º deus que faltava) etc não existem mais hoje em dia, porém, alguns dos pequenos deuses gregos, devidamente atualizados, traduzidos e sincretizados, sobrevivem até hoje, os menores mesmo. Pudera, já que vivemos tempos de homens e valores mínimos.
Havia, para os gregos, a deusa Fama, a mesma que deu origem ao atual vocábulo fama, a medida da notoriedade de alguém. Segundo os compêndios, Fama tinha cara de louca e voava à frente dos cortejos, disseminando verdades e mentiras por suas cem bocas. "Monstro horrível, voa de noite entre o céu e a terra e nunca dorme, de dia espreita do cimo dos palácios, no alto das torres, amedrontando as grandes cidades, semeando mentiras e verdades", disse o poeta Virgílio sobre ela. Ser famoso significa cair nas graças da deusa Fama, ter seu nome disseminado aos quatro ventos.
Estamos, contudo, cronológica, cultural e socialmente, muito mais próximos aos romanos que dos gregos, e, assim, é com sua cara romana que Fama nos chega aos dias de hoje. 
Com a antropofagia da cultura grega pelo Império Romano, os deuses continuaram basicamente os mesmos - uma vez que os romanos tentavam mimetizar os valores gregos, os romanos foram uma espécie de novos ricos aculturados de seu tempo -, apenas seus nomes de batismo foram latinamente alterados. Zeus virou Júpiter; Hera, Juno; Poseidon, Netuno; Afrodite, Vênus.
E Fama virou...Puta! Isso mesmo. A deusa grega Fama virou a Puta romana. Daí a origem da palavra rePUTAção. E também do termo puta, prostituta, aquela que se dá ao público.
Querem melhor subdeusa para os dias de hoje? Dias de subvalores, de subheróis, de subgentes? Puta faz a festa, é a deusa da cocada preta! Quase todo mundo, hoje, é devoto de Puta. Todos adoram se expor, tendo ou não o que expor, adoram se expor. Adoram fazer sombra a um holofote. Saem falando de si sem que ninguém nada sobre eles pergunte. Adoram pensar que os outros querem deles saber, o que pensam, o que fazem, pra quem dão a bunda. Adoram se julgar uma celebridade.
Os sumos sacerdotes de Puta são o twitter e o facebook - não, não tenho twitter, não, não tenho facebook. Neles, os fiéis de Puta brindam o mundo com suas vidas rídiculas e seus feitos nada feitos. Tiram uma foto no local de trabalho e pronto : aquela foto, na cabeça torta deles, é digna da primeira página da Folha de São Paulo. Outra foto em uma lanchonete e pronto : o registro desfocado de suas bocas cheias de fastmerda é merecedor da capa da Times. Mais uma foto, agora nas abjetas "baladas", todas bêbadas e atrás de macho e pronto : merece ser exposta no mural da ONU, ao lado de Guernica.
Exagero? A velha amargura do Azarão?
Olhem atentamente em derredor. Conhecem ou não conhecem aquelas que se consideram as maiorais, os luminares de sua geração, mas que não têm um pingo de luz própria, são apenas vultos disformes nos holofotes? Conhecem ou não conhecem as que se dizem os expoentes dos costumes e da ética, mas que são somente caricaturas patéticas? Conhecem ou não conhecem as que se julgam deusas, mas que são somente putas?
Ô se conhecem! Pããããta que o pariu se conhecem! Melhor : fãããããma que o pariu se conhecem!

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2 Comentários

  1. Eu jurava que o deus que estava faltando era o Hades.

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    1. Jurava por quem?
      Você pode estar certo(a). Há controvérsias a respeito do lugar de Hades na hierarquia dos deuses gregos, alguns consideram que ele apresenta um papel secundário na mitologia, pois o fato de ser o governante do Mundo dos Mortos faz com que seu trabalho seja "dividido" entre outras divindades, tais como Tanatos, deus da morte, ou as Queres (Ker)- espíritos femininos que trazem a morte.
      De qualquer forma, fica aqui o seu registro.

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