Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa...(19)

Via de regra, é o abandonado quem se afunda na fossa dos amores decompostos. Mas acontece, às vezes, do Universo fazer justiça e ser o desertor a se estrepar. Acontece da fossa sair pela culatra.
É quando o abandonado arruma um melhor substituto a quem o abandonou, e antes dele.
Quem abandona, julga-se superior ao outro, bom demais para o preterido consorte, pois o desertor elege o outro como fonte de toda sua infelicidade. O desertor tem problemas no trabalho, conta vermelha no banco, insatisfação consigo mesmo etc, mas não pode se livrar de si, de seu trabalho, de suas limitações. Assim, credita todos os entraves de sua vida ao outro, e o outro, ele pode abandonar.
No processo, o desertor vai transformando o outro numa pessoa cheia de defeitos e imperfeições, sem nenhuma qualidade ou atrativos, de difícil convivência, alguém destinado a morrer na solidão.
Em contrapartida, o desertor começa a se julgar alguém prestes a desabrochar todo seu (pretenso) potencial, acha que, livre do outro, tornar-se-á a pessoa mais interessante e desejada do mundo, que pretendentes farão fila à sua porta, que necessitará adquirir uma máquina geradora de senhas.
Aí, de repente, vê que ninguém lhe reconhece essas qualidades todas - a culpa está sempre fora dele -, e ele vai bicando uma coisa que sobra aqui, outra que sobra ali, uns rescaldos de fim de festa, vai se virando com uns remendos emocionais. É o prenúncio da fossa.
Aí, de repente, um belo dia, passa por ele, toda feliz e bem acompanhada, a pessoa em quem ele deu o pé na bunda. A pessoa desinteressante encontrou alguém que lhe reconheceu belas qualidades, que ele, o desertor, dizia que ela não tinha, e o pior, antes que alguém reconhecesse nele, no desertor, as belas qualidades que julgava ter. Aí, a fossa se instala e se aprofunda.
Então, diz-lhe o ex-abandonado, investido da voz e da poesia do Chico Buarque : "Quero ver o que você faz/Ao sentir que sem você eu passo bem demais"; e dá a estocada no coração : "Quero ver como suporta me ver tão feliz".
Não suporta. O desertor não suporta! Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...

Olhos nos Olhos
(Chico Buarque)
Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci.

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais.

E que venho até remoçando,
Me pego cantando, sem mais, nem por quê.
Tantas águas rolaram,
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.

Quando talvez precisar de mim,
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você diz.
Quero ver como suporta me ver tão feliz.

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3 Comentários

  1. Muito boa, Marreta. Essa é foda, ou fode...

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  2. É...mas acontece com muito cara que se acha o rei da cocada preta, e com muita mulher,também.
    É sempre bom tê-lo por aqui, no Marreta.
    Como estão as coisas aí no Rio, com essa visita do Papa?
    abraços.

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  3. Uma tristeza, uma merda. Peregrinos pra tudo que é lado. Eles se juntam em bandos, identificados por camisas coloridas. E andam pra lá e pra cá com cara de fome e um sorriso cariado. Mas não cansam de tirar foto e gritar quando um bando passa por outro.
    Espero que essa semana volte tudo ao normal, ou pelo menos, ao anormal de antes.
    Abraço.

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