O Bullying Produtivo (Ou : A Saudável Rejeição Social)

A Hidra de Lerna era um monstro mitológico com 9 nove cabeças de dragão, que, quando decepadas, regeneravam em uma ou duas novas; além disso, a cabeça central possuía o dom da imortalidade. Irmã do cão Cérbero (de três cabeças) e da Quimera (com uma cabeça de leão, uma de bode e outra de dragão) - família boa, esta -, a Hidra foi a segunda das doze incumbências impostas a Héracles, que deu lá o seu jeito de matá-la.
Havia também, ainda na mitologia grega, o gigante Argos, de cem olhos (fora o do cu). Nada escapava de sua vigilância titânica. Isso porque enquanto cinquenta de seus olhos dormiam, os outros cinquenta observavam. Não é para menos que Hera, a primeira-dama do Olimpo e deusa padroeira das cornas gregas, designou-o pessoalmente para proteger a ninfa Io da piroca toda-poderosa de Zeus, maridão de Hera e o maior comedor de todas as mitologias.
Hoje, há monstros muito piores, aberrações muito mais perigosas. Da mestiçagem bastarda entre a Hidra de Lerna e o gigante Argos, nasceu o politicamente correto, leviatã nada mitológico de incontáveis cabeças e infinitos olhos, todos do cu.
Suas cabeças e olhos compõem uma onipresença nunca antes instalada na história humana. O monstro vigia, cerceia, censura, formata pensamentos. E os que não consegue enquadrar, decreta como incorretos, para depois puni-los.
Várias são as cabeças peçonhentas desta desgraça. A da ecologia hipócrita, a da igualdade entre os desiguais, a da justiça social às custas de quem trabalha e em prol do vagabundo, a da inclusão do incapaz, que só excluiu os mais aptos, e outras tantas que marreto incessantemente aqui. Marretar, eu marreto, mas elas se regenaram, lembram?
Agora, está em evidência, feito uma dessas subcelebridades, a cabeça do politicamente correto que vigia os casos de bullying, ou o que o politicamente correto define como bullying. O bullying é a prática perpetrada pelos valentões da escola contra grupos de indivíduos mais fracos, em uma relação desigual de poder.
Não vou negar que o bullying exista, ele existe. Mas é de um único tipo : bullying é quando dois ou três fortões se unem e dão porrada no fracote. Isso é bullying. E ponto. O resto é frescura.
Apelidos, provocações, um grupo não aceitar alguém que é estranho aos seus gostos e costumes etc, não têm nada de bullying. É normal e perfeitamente saudável. Driblar estas pequenas adversidades e se adequar a cada ambiente que frequenta faz parte da construção da personalidade do sujeito.
Definir isto como bullying é mais uma das estratégias do politicamente correto para formar gerações de pessoas sem a menor fibra, incapazes de se defenderem sozinhas, sujeitos frouxos eternamente presos à barra da saia da mamãe.
Quando eu estava em idade escolar, já fui chamado por todos os apelidos possíveis e imagináveis que podem ser atribuídos a um magrelo franzino e raquítico. Pau de virar tripa, vara de cutucar estrela, cotonete (sim, além de magro, cabeçudo), pinto de macaco, tarzan depois da gripe etc. Claro que isso não me enchia de alegria, mas eu era magro, muito magro. Hoje, tenho um índice de massa corporal de 20,8, o que ainda é bem magro; aos 15, 16 anos, eu já tinha praticamente a altura que tenho hoje, e uns 15 quilos a menos. Se os apelidos não eram elogiosos (e que apelido é?), eram ao menos verdadeiros. Dizer a verdade é bullying? Não, claro que não. Mas para o politicamente correto, é. Quanto mais factível e inegável o que se diz, mais taxado de incorreto e preconceituoso ele é.
A outro exemplo, nas aulas de educação física, quando os times iam ser montados, eu era um dos últimos a ser escolhido, se não o último, muitas vezes nem era, ficava de fora. Bullying? Porra nenhuma. Eu era (sou) muito ruim em futebol ou em qualquer outro esporte. Por que seria bullying não escolher alguém que levaria seu time à derrota? O que se tem que entender é que toda e qualquer atividade inclui uns e exclui outros. Não tem nada de violência nisto.
Mesmo na atividades acadêmicas, nas quais eu era considerado bom, poucos grupos me escolhiam para um trabalho de pesquisa, eu não partilhava daquele sentimento de coletividade, nunca gostei da história de cada um ficar com uma parte da pesquisa, nunca confiei minha nota a ninguém. Claro que os outros alunos percebiam essa minha resistência e, lógico, não me escolhiam. Não raras vezes, fazia o trabalho sozinho. Bullying? Claro que não. Eu até preferia assim.
Que direi, então, das festas? Na época, eram comuns as tais brincadeiras dançantes. Óbvio que nunca fui convidado para uma delas. Bastava olhar para mim e ver que não havia a menor possibilidade de eu ter alguma habilidade de dança. Bullying? Exclusão? Rejeição? Porra nenhuma. Mais uma vez, apenas outro caso de minha falta de aptidão a um certo ambiente e atividade. Nada de mais.
Repito : bullying é porrada, é espancamento, é agressão física à covardia. E é caso de polícia, de registrar queixa, de chamar a juízo os valentões ou seus responsáveis legais. Não é para ficar sendo debatido por psicólogos empoados, pedagogas encruadas ou assistentes sociais condescendentes.
Por acaso, será que esses poucos exemplos que citei de minha passagem pela escola (poderia citar muitos outros) me traumatizaram, prejudicaram minha habilidade social, minha inteligência emocional ou qualquer outra merda dessas? Claro que não. Pelo contrário, muito pelo contrário.
A cada "exclusão", a cada "rejeição" sofrida, eu ficava ainda mais convicto e orgulhoso do que eu era, do que eu pensava e gostava. Eu nunca quis ser bom de bola, nem ficar dançando em festinhas, muito menos pertencer a algum bando.
Eram atividades que, na verdade, em muito me desagradavam, e que eu desprezava. Ora, ser rejeitado por um mundo com o qual eu não possuía nenhum tipo de afinidade, não teve nada de traumático, teve de fortalecedor.
Muito do conhecimento que tenho hoje, adquiri por conta desse meu isolamento do mundo. Com 10, 12 anos, eu já gostava muito mais de livros que de gente; dependendo do livro e da pessoa, gosto mais até hoje.
Tendo que viver num mundo pouco habitado, num universo quase particular, sem poder contar com a cumplicidade e a força do bando, eu me desenvolvi muito mais como indivíduo do que a grande maioria. Eu lia mais, ilustrava-me, pensava mais, olhava mais para mim, fiz-me dono de um razoável autoconhecimento, tornei-me muito mais criativo. Ou, talvez, já fosse mais criativo, e era isso o que tornava insuportável o mundo comum.
Sofrer bullying (palavra e conceito que nem existiam à época) sempre foi de grande utilidade para mim, sempre me foi muito produtivo.
E não é que agora um estudo da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, concluiu que a rejeição social pode inspirar o pensamento criativo em humanos? Exatamente o que eu sempre soube.
A conclusão, porém, é válida aos indivíduos que já se sentem excluídos e diferentes do resto da sociedade, diz Sharon Kim, a coordenadora do estudo. Que se sentem diferentes, não, digo eu, que são mesmo diferentes. Diferentes e superiores.
“Para as pessoas que já se sentem separadas da multidão, a rejeição social pode ser uma forma de validação”, diz Sharon Kim. “A rejeição confirma a pessoas independentes o que elas já sentem sobre elas mesmas: que não são iguais aos outros. Isso leva a uma maior criatividade”, afirma.
Então, se o mundo o rejeita, sorte sua, amigo. Aproveite e vá estudar, aprimorar-se. Aproveite o sossego que o mundo lhe concede para tornar-se ainda mais superior a ele. Se esse mundo idiota que aí está não lhe quer por companhia, não fique pelos cantos chorando as pitangas, dando uma deprimidinho : alegre-se. Festeje a sua exclusão.
Em tempo : gostaram das histórias da Hidra e de Argos? Não pensem que as aprendi jogando bola nas aulas de educação física.

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3 Comentários

  1. Pô, bicho, que texto excelente! Pena que o meu filho ainda não pode ler. Na minha adolescência, bati e apanhei. Estudei num colégio nojento de burgueses que se achavam o gás da coca-cola. A rejeição era comum e o apelido era capa de pistola. Quis matar uns 3 ou 4. Mas passou. Outro dia encontrei um dos meus antigos algozes e o sujeito se mostrou absolutamente inofensivo. Sua humildade e precariedade mental me deprimiram. Lembrei do assassino de Seven que conta sobre um sujeito que ele tinha encontrado no metrô. A conversa foi tão estúpida que ele não se conteve: vomitou sobre o outro. Enfim. Quase vomitei sobre meu antigo desafeto. Abraço!

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  2. Cara, dizer que gostaria que o filho já fosse alfabetizado para que pudesse ler um texto meu, foi o maior elogio que recebi por aqui.
    Obrigado.
    Aliás, o que significava capa de pistola?
    Abraço

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  3. Pois é. O elogio é sincero. Ler coisa boa hoje em dia tá complicado. Muita asneira. Vou por meu filho pra ler coisa que presta. O apelido surgiu por causa de um cretino treinador de basquete daqui de BH. Ele chamava os magrelos de capa de espingarda. Com o tempo, o apelido mudou para capa de pistola e pegou. Um filho da puta mesmo. Abraço!

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