Hare Krishna Também Quer Apito

Dias desses, por ocasião da postagem Tupã Que Se Foda, relembrei a marchinha carnavalesca de Haroldo Lobo, Índio Quer Apito, na qual um de nossos puros e bons selvagens ameça a um desavisado homem branco, “Ê ê ê ê / índio quer apito / se não der / pau vai comer...".
Sem querer caetanear a coisa, para mim o apito é uma clara metáfora a toda a cultura do homem civilizado, suas tecnologias, suas comodidades e benesses, que o índio quis de mão beijada para si. O índio não quer só o apito, não quer comer só o fiofó do homem branco, quer comer o homem branco por inteiro, incorporá-lo, torná-lo célula de suas células, bem à tradição antropofágica de algumas de nossas tribos, que devoravam guerreiros inimigos não para saciar a fome fisiológica, mas sim porque acreditavam que adquiririam a bravura e as habilidades do canibalizado : força e coragem instantâneas, sem nenhum trabalho ou esforço.
O índio, maravilhado com a cultura do civilizado e ambicioso como qualquer ser humano, na mesma hora já quis o apito, quis milênios de conhecimento adquirido e acumulado a duras penas. De graça. A troco, quando muito, de umas madeirinhas. E se não der, pau vai comer.
Mas não é mais só o índio a mirar nosso apito, nosso fiofó.
Eu explico.
Nos tempos em que eu ainda frequentava uns butecos, havia um cara que era uma figura carimbadíssima na noite da cidade. Cabeça raspada, túnica a la hare krishna, um semblante zen e bonachão, ele circulava pelas mesas dos bares a vender seu incenso.
Quando havia interesse do freguês, ele parava e explicava as propriedades mágicas de cada incenso. Este aqui, falava ele, é para remodelar a aura, este é para alinhar os chacras, este é para revitalizar o prana, e o papo seguia por aí. Realizando a venda ou não, ele unia as mãos e fazia lá um namastê qualquer.
Hoje, quando eu voltava a pé do trabalho pelo centro da cidade, uma figura em meio ao povaréu me chamou a atenção. Calvo, baixa estatura, a trajar paletó e gravata, parado na calçada próximo ao meio-fio, ele distribuía uns papéis aos passantes, que logo identiquei como sendo propaganda eleitoral, um candidato a vereador.
Ao atravessar o centro da cidade, minhas vistas, já por hábito arraigado, miram uns 30, 40 metros adiante, justamente para identificar obstáculos a serem contornados, vendedores ambulantes, compradores de ouro, funcionários de empresas a oferecerem crédito, entregadores de panfletos, ciganos, mórmons, testemunhas de jeová, bichinhas e gordas distraídas a falarem no celular, e tantos outros espécimes de nossa variada e triste fauna.
Político em campanha também está no rol dos obstáculos a serem contornados. Eu já me preparava para mudar de calçada quando, mais próximo da figura, uma estranha sensação de familiaridade me fez adotar atitude oposta : passei rente a ele.
O sujeito me estendeu a mão com seu santinho de campanha e disse : "pela volta dos cobradores de ônibus", que deve ser lá um dos itens de sua plataforma. Olhei para o santinho e minha sensação de familiaridade se justificou. O cara era ninguém mais ninguém menos que o hare krishna do incenso, o monge urbano cheio das filosofias orientais. Seu nome eleitoral : Ayrton do Incenso.
Pãããããta que o pariu!!!, como diria o saudoso Costinha. 
O hare krishna também quer apito!!! O hare krishna também quer uma mamata.
Trocou a túnica ritual pelo paletó e gravata, o rabicho no cocoruto por um cavanhaque grisalho bem aparado. Deu as costas para aqueles deuses e deusas hindus cheios de braços, pernas, olhos e trombas. Passou a reverenciar a grotesca deusa-Estado, divindade de infinitas tetas.
Estão todos de olho nos nossos apitos, doidos para se apoderarem de nossos fiofós.
Época de eleições é isso mesmo, temporada de caça aos apitos alheios. Ao meu, ao seu, caro leitor, que trabalha duramente e paga seus impostos em dia. Todo mundo querendo de graça o que suamos para conseguir, uma antropofagia canalha.
É temporada de caça aos apitos.
Protejam os seus. Ou não.

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2 Comentários

  1. Época de eleições é isso mesmo, temporada de caça aos apitos alheios. Ao meu, ao seu, caro leitor, que trabalha duramente e paga seus impostos em dia. Todo mundo querendo de graça o que suamos para conseguir, uma antropafagia* canalha.
    É temporada de caça aos apitos.
    Protejam os seus. Ou não.

    * = ANTROPOFAGIA.

    ;)

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    1. Obrigado pela observação, Joãozinho. Depois que escrevo, eu costumo revisar várias vezes o texto, mas esse erro de digitação havia me passado despercebido.
      Já está corrigido.
      Abraço.

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