VOO DE MIM

É cedo,
O sol mal acordou,
Nem tirou a remela ou escovou os dentes,
E eles já estão em algazarra pelas grandes avenidas.
Coágulos a se trombarem,
A se espremerem e a obstruir
As veias varicosas da cidade.
Seus condutores
(quem conduz quem, nesse caso?),
Obesos, sedentários,
Desatentos a tudo que não seja plástico, metal e silício,
Mecânico feito eles,
Não veem as ixórias e as íris pelos canteiros,
Nem as quaresmeiras, as espirradeiras,
Os miniflamboyants ou os ipês-de-jardim;
Não veem a garça no rio
Nem sabem do rio;
Não erguem seus olhos e braços
E apanham duas ou três pitangas aqui,
Duas ou três amoras acolá,
Fortuitamente um jambo-amarelo.
Eu sigo no meio deles, 
Em sentido contrário,
Sempre na contramão a isso tudo.
Sigo,
Mas não vou de petróleo, etanol ou GNV.
Vou a pé, vou de pensamento,
Voo de pensamento.
Vou de pégaso,
Vou de tapete voador,
Voo de mim.

Postar um comentário

0 Comentários