É cada vez maior a vontade das pessoas - e digo do povão, 90% da população - de se divertirem a todo o custo. Digo melhor : são cada vez maiores a ânsia e a aflição que as pessoas têm de mostrar aos outros que estão se divertindo. Quanto mais barulho, mais arruaça, menos roupa, mais putaria, mais imbecilidade, mais o sujeito é considerado de bem com a vida, um cara de bom humor, um cara legal. As pessoas cometem abusos com a única intenção de mostrar aos outros que estão se divertindo. E Momo é o rei dos excessos, antes de ser o do carnaval. Mas carnaval é sinônimo de exageros, dirão alguns. Merda nenhuma. Carnavais tranquilos, pessoais e existenciais são plenamente possíveis. Carnavais existenciais são uma delícia. Para quem tem alguma coisa dentro de si.
Quem é oco, vácuo feito em gente, genéricos daqueles manequins plásticos de vitrines, sem rosto, sem pinto e sem mamilos, cai nas garras gordas de Momo. E todo rei cobra pesados tributos, mesmo um rei falso, vagabundo, bêbado, sebento, escorrendo em suor, gordo, obeso, uma verdadeira ode ao mau gosto e ao exacerbo.
Momo não é um rei alegre, é rancoroso, vingativo. Pudera. Mal aguenta uns poucos minutos de pé e logo cede ao peso de sua bunda gorda, enquanto seus súditos dão piruetas à sua volta. O máximo que pode fazer com sua rainha e princesas - um bando pardo de foliãs e uma mais bagaça que a outra - é meter-lhes o cetro, pois, reza a lenda, gordo tem pau pequeno, tem que içar arrobas de banha para achar o bráulio. Momo, então, usa dolosamente seus poderes dos carnavais passados e impõe um transe frenético aos seus vassalos; degradação, degeneração e, muitas vezes, a morte são os impostos de Momo. Melhor um trato com Mefistófeles que com Momo.
Alguns que já caíram na "malha fina" de Momo nesse carnaval, que ainda vai pela metade:
- Folião morre ao cair com trator em lago no interior de São Paulo; alguém consegue imaginar o que o cara tava fazendo dirigindo um trator num baile de carnaval? Um frasco de éter foi achado em seu bolso;
-Jovem de 23 anos morre de parada no circuito de carnaval em Salvador, de parada cardiorrespiratória; houve morte cerebral?, perguntaram ao médico que o atendeu, Faz tempo, respondeu o médico;
- Em Três Passos, ônibus de foliões bate num caminhão de porcos; 41 pessoas feridas, nada se sabe do estado de saúde dos porcos, que nada tinham a ver com a sodoma e gomorra dentro do ônibus;
-Acidentes nas estradas federais já mataram 129 no feriado; isso só nas federais, e até ontem;
-No Ceará : houve 23 assassinatos, sendo nove homicídios ocorridos no interior e outros 14 na Grande Fortaleza. Nestes casos, cinco morreram com golpes de arma branca e as demais de espancamento, cossoco e pauladas. Ainda houve o registro de 12 pessoas baleadas e duas pessoas ainda morreram vítimas de afogamento.
Ainda é pouco, Momo quer mais.
E terá, foliões a mancheias se oferecendo em imolação, em troca do que se estabeleceu chamar, hoje, de diversão. Uma diversão obrigatória, que é mais um produto a ser vendido, feito celulares e tvs de plasma, ou você os tem para mostrar para os vizinhos, ou você está fora da moda.
Eu continuarei com meu carnaval démodé. Após pôr a casa para dormir, levarei minha inofensiva cerveja para a sacada, onde me instalarei a olhar a chuva e a ouvir uns CDs do Adoniran Barbosa. Vila Esperança, para começar.
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